American Sniper
24 janeiro 2015.
Clint Eastwood domina com perfeição, simplicidade e argúcia
a arte de contar uma história sem querer dourar a pílula, exagerar ou ser
protagonista. Para Eastwood é a história e as emoções de uma personagem que
devem ser protagonistas e ele não se coíbe, e ainda bem, de ter uma realização
e banda sonora a condizer, menos
invasiva para que a história saia mais genuína e deixe espaço para a imaginação
do espectador para encher o que não se diz.
Se fosse árbitro de futebol Eastwood seria um daqueles que
nem se dá por ele, e por isso é que é tão bom e competente. Deixa que a
história/jogo tome o seu curso e as vezes que intervém são tão naturais e apropriados
que nem damos por ele.
American Sniper dá a Bradley Cooper a interpretação de uma
vida. Eastwood foca-se muito nos olhos de Cooper que dão uma dimensão complexa
e interessante a este atirador preciso que parece agir da forma mais correcta
possível: com o único intuito de defender a sua pátria mas acima de tudo os
seus colegas marines em apuros no terreno. O terreno é o Iraque e a guerrilha
urbana tão desgastante.
O filme é um belo retrato – não sei se não será demasiado
favorável ao atirador Kyle do que a pessoa que ele era na realidade, é possível
– do soldado e do homem perturbado pela guerra, com dificuldades para desligar
a “ficha” de soldado quando regressa a casa.
Kyle fez quatro ‘tours’ no Iraque,
passou por lá mais de 1000 dias, o que é pouco habitual. O filme foca (e bem)
uma luta dele com um atirador sírio, bem como o desejo dele de cumprir missão
após missão à medida que a sua lenda vai crescendo.
O filme não dá muitas
respostas mas levanta boas questões e mostra de forma crua, dura e intensa as
dificuldades de um homem da guerra na tentativa de se reintegrar numa sociedade
pacífica, no regresso a casa. Na minha opinião o filme também retrata bem as
dificuldades da mulher de Kyle em perceber o marido e em lidar com aquele homem
que volta da guerra magoado e perturbado, que não a deixa entrar na sua mente e
a quem ela não consegue chegar. Menos bem conseguida parece-me ser a história
de amor entre os dois, que fica um pouco em segundo plano. Há um pormenor peculiar entre marido e mulher: Kyle liga à mulher com facilidade mesmo no meio da zona de guerra, uma facilidade das guerras modernas mas que prega alguns sustos à personagem bem desempenhada por Sienna Miller.
Ainda assim é um belíssimo filme, como lembra Eurico de Barros
(no Observador): com muitas das boas lições de John Ford incorporadas por
Eastwood – o seu fiel herdeiro “na forma e na moral” – desde o filmar dos olhos
tão expressivos e que podem contar tanto, até à simplicidade “sugerindo o
máximo e fazendo o mínimo” tanto de Eastwood na realização como de Cooper (que
ficou 15 kg mais pesado) na interpretação.
Outro aspecto que pensando bem o filme acaba por não
explorar bem – e seria mais complexo e interessante se o fizesse – foi dar
atenção aqueles soldados que tinham na guerra um problema de base. Questionavam
o que estavam ali a fazer e se estariam mesmo a combater os maus da fita. É que
a personagem de Chris Kyle e, pelo que li, a pessoa em si, era um soldado
patriota sem dúvidas sobre os motivos porque estava ali e que via tudo a preto
e branco, bons (americanos) e maus (iraquianos).
Não há grande – nenhuma mesmo
– compaixão pelo povo do outro lado que também sofria. E sempre que há algum
soldado com dúvidas, como acompanhamos de perto Kyle, o filme desvaloriza essa
perspectiva tal como o próprio Kyle. Mostra essa perspectiva como se fosse uma
mera cobardia sem interesse e, no entanto, era um ponto interessante e fulcral
que podia dar uma dose extra de tensão e complexidade moral ao filme, que é
demasiado republicano na forma de pensar a guerra, tal como a personagem.
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