sábado, março 11, 2006

entrevista



Ser ou não ser ‘cantautor’
Rufus em busca da singularidade musical

Entrevista. Rufus Wainwright aos 31 anos é um músico realizado que, entre a abertura em relação à sua homosexualidade e a voz quente e melodiosa, escreve letras que cativam. Rufus é um cantautor e um músico completo que quer escrever mais sobre o mundo e procura, acima de tudo, ser único e original. Determinado e sincero, sabe o que quer da vida e da música. Numa conversa telefónica a 23 de Abril, horas antes do concerto em Paris e um dia antes de ter deslumbrado o Coliseu de Lisboa, Rufus fala sobre concertos, Portugal, música, letras, e as suas reflexões. Para ele uma coisa é certa: não existe outro Rufus.


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João Tomé


Onde está neste momento?
Antes estive na Alemanha, agora estou num quarto de um hotel em Paris, onde tenho um concerto daqui a pouco e já amanhã parto para Portugal para mais um concerto em Lisboa e depois no Porto.

O que o fascina mais em fazer digressões pelo mundo e particularmente na Europa?
Bem, é muito mais interessante do que quando estou em digressão nos Estados Unidos (risos). Estive em digressão na costa Oeste norte-americana há uma semana, mais ou menos, e lá é tudo muito igual. Na Europa é espantoso as diferenças que existem de um país para outro. Em França uma das coisas que mais me fascina é que existem muitas mais semelhanças entre o Quebec (Canadá) – de onde eu sou natural, e onde se fala francês – e a França do que a Alemanha e França, quando a distância é tão pequena. São países tão diferentes. Tenho a certeza que com Portugal e Espanha acontece o mesmo. Eu adoro isto! É como viver num livro de banda desenhada em que viramos a página e estamos noutra história diferente.

O que costuma fazer quando não está em concerto quando faz digressões?
(risos). Tento fazer exercício um pouco todos os dias. Porque já tenho 31 e já não posso comer o que quero e não pagar um preço. Por isso tento cuidar de mim, ter o máximo de sono possível. Mas depende em que cidade estou. Gosto muito de estar no hotel a falar com a minha mãe e também adoro tocar na Alemanha, porque na maioria das vezes vou dar uma volta pelas bonitas ruas. Eles têm cidades lindas. Como trabalhamos tanto e a banda está tão cansada, essencialmente tentamos recuperar a nossa energia.

Guarda alguma memória em particular das vezes que esteve em Portugal?
Já aí estive muitas vezes e tenho algumas boas memórias. Sem dúvida que o concerto do ano passado na universidade, sem banda, foi dos melhores concertos que alguma vez dei. Penso que foi na Aula Magna. Foi um espectáculo fabuloso, fiz uns quatro encores e as pessoas criaram um ambiente muito agradável e estavam muito contentes por me ver. A sala também era especial. Parecia que estávamos nas Nações Unidas. Também me lembro no dia seguinte de ter dado um passeio maravilhoso pela cidade. Uma das coisas mais engraçadas que fiz foi descobrir este museu de carruagens bem antigas e foi impressionante. Porque havia carruagens que pertenciam ao Vaticano (risos) e eram as coisas mais assustadoras que vi na minha vida. Não sei porquê ficaram na minha memória. Imaginei essas carruagens que ao longo da história devem ter sido assustadoras.

Quando passava nas ruas portuguesas havia pessoas que o reconheciam?
Algumas sim, mas não eram muitas.

Como lida com a fama, que começou tão cedo devido a ter pais músicos e conhecidos nos EUA e no Canadá?
Quando era mais novo, especialmente quando saiu o meu primeiro álbum, quase ninguém sabia quem eu era. E eu parecia um bocado louco, porque queria que todos soubessem quem eu era. Então sentava-me em cafés, com uns óculos escuros gigantes e esperava que me reconhecessem. Era um pouco estranho. Agora é muito melhor quando as pessoas de facto me reconhecem, porque eu agia como uma celebridade muito maior do que realmente era – quando comecei – e agora passo mais despercebido, passei essa fase, e é mais engraçado quando me reconhecem.

Quando é que soube que queria começar a cantar, ser compositor e cantor?
Fui primeiro para uma escola de arte, durante algum tempo, depois parti para uma escola de actores. Mas a música já estava quase nas “cartas”, porque quando era criança estava constantemente a cantar. Acho que cantava mais do que falava. E também sentia que acontecia alguma coisa quando subia a um palco que era imediatamente reconhecível a todos na sala. A luz e a forma de estar no palco tinham muito a ver comigo enquanto pessoa. Há uma frase célebre da Katherine Hepburn. Quando alguém lhe perguntou o que era ser uma estrela. Ela respondeu: “Eu não sei o que é, mas eu tenho-a, seja lá o que isso que for”. E eu sempre me senti assim, eu não sei qual é a diferença, mas eu sei que tenho. Era óbvio. E não era nada que tivesse construído ou trabalhado. É uma espécie de vibração natural que acontece quando eu entro em palco.

Que influência teve em si o facto de ter mudado para o Canada depois da sua mãe ter-se divorciado do seu pai?
Foi uma influencia muito grande. Em grande parte porque quando a minha mãe saiu dos Estados Unidos ela estava a deixar grande parte da indústria americana de música. Eu não cresci com as tretas das companhias discográficas americanas. Estávamos afastados disso. E Montreal – onde cresci – é sem dúvida a cidade mais europeia da América do norte, de longe. É como França e havia muita identidade europeia. Falávamos francês em casa e eu cresci a conhecer muito sobre a música francesa. E de uma forma muito estranha Montreal vivia naqueles tempos uma recessão e não havia mais nada para fazer senão escrever músicas ou fazer arte. E talvez por isso em muitos aspectos há um grande movimento de renascença e sair agora dessa cidade. Com os Arcade Fire, The Pierre´s, ou os God´s Speed Black Amper, ou eu e a minha irmã Martha [Wainwright]. Ninguém trabalhava e por isso tínhamos tempo para aperfeiçoar na nossa arte.

Quando escreve quais são as inspirações em se vai baseando… Foram-se modificando ao longo da sua vida? Em que estado está no último álbum Want Two?
Eu tento escrever sobre tudo o que circunda a minha vida. Quando comecei a escrever era muito influenciado pelo que acontecia na minha vida pessoal. Mas à medida que me vou tornando mais velho descobri que ainda é importante nos relacionarmos com o mundo enquanto um todo. E penso que neste álbum existem alguns bons exemplos dessa tentativa. Existem músicas sobre outros sujeitos, para além de. E esse é um lado que tenho tentado aperfeiçoar ao longo dos anos com a Gay Messiah, The Art Teacher ou Outside World. São canções sobre o mundo exterior e acho que é uma área importante para um bom compositor também dominar.

É uma tentativa de mudar o mundo?
Estou a tentar definir a nossa era. O tipo de mundo em que todos vivemos.

Mostrar as falhas e preconceitos que nos rodeiam…
Exactamente isso… e há uma linha ténue porque eu não quero ser um cantor de protesto ou um defensor dos direitos gays. Mas é importante ter canções mais identificadas com uma consciência geral da humanidade.

A ópera e a música clássica é uma presença clara na sua música. De onde nasceu a influência e fascínio que se nota em músicas como Barcelona e que o tornaram no inventor da chamada ‘Pop Opera’?
Sempre me senti identificado com a música clássica e gostava mesmo de um dia compor uma ópera (risos). Tive uma educação musical evoluída e aos seis aprendi piano. Depois ouvi muita música diversa onde os clássicos Verdi e Mozart assumiram um papel importante. Gosto de colocar em algumas músicas pedaços de música clássica, é um tipo de música fascinante. Mas também adoro pessoas e estilos como Edith Piaf, Judy Garland e Al Jolson. E estou sempre a aprender.

Viveu com a sua mãe e irmã grande parte da vida. De que forma encara as diferenças e semelhanças entre homens e mulheres na sua música?
A masculinidade e feminidade estão tanto em homens como mulheres. Na minha música encaro da forma tradicional o binómio. A parte mais masculina é mais dura e egoísta. E a feminina mais misteriosa e romântica e também sensível. Mas acredito que esses dois mundo vivem em todos nós. Quer dizer, eu tenho um forte lado feminino, como penso que muitos homens têm. E estou interessado em explorar ambos na música e na vida. Mas decidi olhar para trás, para a história, e verificar como a história humana define estas diferenças. Acho que todas as respostas estão na história antiga, como os gregos. Não acho que tenha mudado muito desde esse tempo, para ser sincero (risos). Ainda estão em guerra… ainda existe a guerra dos sexos.

Os homossexuais ainda são considerados aberrações da natureza na sociedade, ainda sente isso? Ainda quer ser um Gay Messiah?
Não quero ser, porque vivo com a minha música de uma forma desprendida, sem estar preso a assuntos de homossexualidade. Mas infelizmente penso que a homossexualidade tornou-se num assunto controverso no futuro dos Estados Unidos. Por exemplo, as pessoas que votaram no Bush novamente consideram que o verdadeiro inimigo não são os terroristas, mas as pessoas gays e as mulheres. Numa entrevista a uma revista alemã perguntaram-me se me sentia um Judeu antes do holocausto, eu respondi que não, que me sentia era um homossexual antes do holocausto. Por exemplo, se tivesse escondido a minha homossexualidade no inicio da minha carreira penso que poderia ter tido um começo mais auspicioso com resultados excelentes porque era um jovem muito bonito.





Qual o papel dos homossexuais na sociedade?
Acho que os homens gays são quase ‘sagrados’ para a sociedade porque são a ponte quer para homens quer para mulheres. Acho que as relações dos homens gays na sociedade acabam por ser menosprezadas. Sejam as relações dos homens gays com mulheres – que são importantes –, ou dos homens gays com homens heterossexuais – que também são bastante importantes. Eu tenho muitos amigos heterossexuais em que ambos já tivemos uma espécie de paixão um pelo outro, apesar de não ter nada a ver com sexo. Acho que somos [os homossexuais] os grandes comunicadores e detemos um papel muito importante na sociedade.

Jeff Buckley. Primeiro foi um adversário, depois passou a vê-lo como um amigo? Como foi essa transição que o levou a dedicar-lhe a música Memphis Skyline?
Senti-me adversário dele e odiava-o no inicio e durante algum tempo. Apesar de o ter conhecido uma vez, e termos falado considerava-o um bocado ‘secante’ e não percebia o sucesso dele. Havia na altura uma rivalidade na minha cabeça com ele e teria sido interessante ter feito uma competição a cantar com ele. Mas depois tudo mudou e apesar de nunca ter sido influenciado directamente pela música dele, fui influenciado pelo génio dele. Quer dizer, nunca o percebi no inicio, mesmo quando o conheci pessoalmente. Mas quando ele morreu voltei atrás à música do Jeff e percebi o quão único ele era. Penso que fui em grande parte influenciado por essa singularidade dele. Sentia que queria e podia ser o mais único possível. Não havia mais ninguém como ele e acho que não há mais ninguém como eu e isso é uma coisa boa.

Existem várias celebridades que já admitiram publicamente serem fãs seus. Martin Scorcese convidou-o para participar no filme Aviador (a cantar), Elton John, Kirsten Dunst, entre tantos outros. Essa é uma recompensa agradável e um ânimo para o seu trabalho?
Sinto-me bem com esse tipo de atenção, mas há um motivo para eles fazerem isso. Porque a música é mesmo boa. Estou confiante no meu trabalho. Tenho trabalhado tanto no meu álbum, nas minhas digressões e em aperfeiçoar-me como um letrista e um ‘performer’. Isto não é propriamente um truque, esta atenção está mesmo a acontecer e faz parte de um crescimento longo, que não é imediato. Depois têm surgido convites que me honram como a participação numa das cenas do Aviador, do Martin Scorcese, e mais recentemente participo como actor no filme Heights – que ainda não estreou. São experiências diversificadas que me dão um certo gozo porque gosto de cinema e de fazer músicas para filmes [Moulin Rouge, Zoolander, I Am Sam, Bridget Jones, são alguns exemplos], mas nunca abandonando a música.




[BACKGROUND: Esta entrevista foi feita por telemóvel a partir das Caldas da Rainha no dia 23 de Abril, sábado, pelas 17h. Durou cerca de 25 minutos. Podia ter demorado mais, mas Rufus tinha mesmo de partir para o local do concerto em Paris.]

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