segunda-feira, fevereiro 16, 2015

pela casa cimeira

É humanamente notável ver como as pessoas genuínas se abrem com desconhecidos. O casal que gere a Casa da Cimeira - em Valença do Douro - tem aquele conhecido lado falador, aberto, genuíno e social das pessoas do Norte (tradicionalmente). Mais: têm gosto em receber as pessoas vindas de longe (portugueses ou estrangeiros), têm gosto em dar sempre um pouco mais do seu vinho, dos seus enchidos - tudo feito por ali, claro -, dos seus manjares.

Gostam de contar histórias, especialmente a sua história. Gostam de conhecer um pouco de quem os visita. Isto no meio da labuta sem parar do dia a dia. É gente humilde, trabalhadora e com tempo para ter consciência plena de quem são e do que é a sua vida.

São bem humorados, divertidos e não se levam demasiado a sério. Gente fácil, de quem nos aproximamos com facilidade e que dá gosto ouvir, história a história, sorriso a sorriso, lembrança em lembrança, sonhos em sonhos.

Durante 9 meses não têm um dia de folga e fazem jantar para uma casa cheia de hóspedes todos os dias. Contam esta inevitabilidade com consciência que é bom terem trabalho e o lamento de que ficam esgotados e era bom não terem de fazer jantarada 'farta' todos os dias. Que corrupio!

Que energia contagiante têm estes dois durientes. Como se a boa conversa, a simpatia, a generosidade e a atenção ao detalhe - tratam-nos como se fôssemos da família, oferecendo tudo o que têm sem restrições com um prazer incrível em bem receber - não bastassem, a comida e, por Deus, a bebida é divinal. Um apelo aos sentidos humanos mais apurados.

Na Casa da Dona Maria da Luz não há cerimónias
. O vinho escorre sem parar. Veio das vinhas e da adega da própria casa até à mesa. É divinal. Como só os bons vinhos do Porto o são. E se a garrafa está perto de terminar, há logo outra a chegar, aqui não se admite copo de vinho vazio (à descrição). A última refeição foi um bacalhau com broa e batata a murro tostadinha divinal. De saborear garfada a garfada, com os sabores bem vivos e enfatizados com o soberbo azeite do Douro, feito por ali, a acompanhar.

Os convites para ir para a sala comum, perto da lareira, e beber um porto aperitivo acontecem assim que chegamos. A grande mesa de família é onde comem todos os hóspedes, seja qual for a nacionalidade, crença religiosa ou preferência gastronómica. Todos são bem vindos, desde que venham por bem.

Não é uma questão de dinheiro ou de venda ou comércio, aqui somos da casa, sentimo-nos em casa e a comida e bebida é como se nascessem das paredes e viessem sempre confeccionados de um modo divinal. Nunca nos sentimos clientes, mas convidados de um local que tem muito de paraíso e a dona Maria da Luz e o seu Artur são anjos a facilitarem-nos a vida.

A ajudar a este ramalhete está a beleza natural da zona, as vistas dos quartos para o rio Douro e para as escadas de vinha e as boas condições (até tem piscina) desta casa burguesa do século XIX com mistura entre palacete e casa rural, inclusive com um quarto de xisto peculiar.

Até a história da casa de arquitectura burguesa rural tem um encanto especial. Foi construída em 1814 pelos Pacheco, uma família militar galega, que tinha as vinhas da Quinta da Corte e do Panascal e vivia na casa de Valença do Douro, bem perto das quintas. A Dona Maria da Luz e o senhor Artur eram os caseiros da Casa Cimeira, desde os anos 80 (se não estou em erro).

Depois de muitos anos a tomar conta da Casa Cimeira, perante as ordens "rígidas, ao estilo militar" do último dos Pacheco, começaram a construir a sua própria casa. Quis o destino que depois de vários anos a tentar terminar o seu lar, tiveram uma surpresa: o último dos Pacheco morreu e, por não ter família directa, deixou-lhes a Casa da Cimeira e alguns terrenos. "O senhor podia ter dito alguma coisa... mas nunca nos disse nada", diz a Dona Maria da Luz.

Do dinheiro das vinhas foi possível investir e tornar a Casa Cimeira simpática para hóspedes, com piscina, um total de seis quartos e boas condições - que jeito dá o ar condicionado no frio da zona do Douro nesta altura do ano. A vista incrível já existia e mantiveram-se os quadros da família Pacheco, bem como os livros centenários, a decoração e toda a história da Casa, a mesma que a Dona Maria da Luz gosta de contar.


Obrigado por tudo, especialmente pela generosidade rara e por serem genuínos. Queremos voltar em breve.

"Não há problemas, só soluções", diz o senhor Artur. Ele e a Maria da Luz são facilitadores.

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