quarta-feira, março 03, 2010

granado disse adeus ao público

Lamentações de um ex-estudante de jornalismo: nunca ter tido aulas com o António Granado.


Atravessei o curso da Nova numa altura em que ele não estava a dar aulas e, logo após o fim da licenciatura, no estágio no Público, Granado estava ausente do jornal, acho que estava a fazer um doutoramento nos Estados Unidos.
Conheci-o ainda estudante de jornalismo. Mesmo sem ser meu professor, ele foi a minha fonte de inspiração para a minha primeira reportagem para uma cadeira de Géneros Jornalísticos, com o Mário Mesquita. Em cima da mesa tinha duas ideias, um perfil (sobre o Miguel Sousa Tavares) ou uma reportagem, onde o tema dos estagiários de jornalismo (da própria classe à qual achava que queria pertencer) me cativava. O professor Mário Mesquita, que conhecia bem o Miguel Sousa Tavares e até tinha estórias dele de quando era miúdo, achava que era muito complicado eu fazer um perfil dele, porque seria quase impossível conseguir uma entrevista desta âmbito.
Eu era jovem, idealista e teimoso (às vezes ainda sou assim) e achei que tinha, no mínimo de tentar. Era o 3.º ano de faculdade e fui, pela primeira vez na minha vida, às instalações do Público (morava lá ao pé mas nunca tinha entrado), para tentar falar com alguém que me dar dicas do Miguel Sousa Tavares e o respectivo contacto.
Falei por telefone, da recepção, com uma ou duas pessoas, a explicar ao que ia (um miúdo chato a fazer um trabalho para a faculdade) e o telefone acabou por ir parar ao António Granado. Expliquei-lhe a ideia do perfil e ele disse-me que isso era muito complicado. Mas mandou-me subir. Nas próximas três horas estive sentado ao lado dele na sua secretária, onde ostentava com orgulho no desktop do computador fotos dos filhos, e tive o meu primeiro vislumbre do que era a profissão onde me queria meter. Sem floreados, mas sim com muita sinceridade.
Tirou-me da cabeça a ideia complicada do perfil ao Sousa Tavares e deu-me muito material para a reportagem sobre o cenário negro dos estagiários de jornalismo naquela altura (que reflectia a profissão). Mais do que isso, sem ser meu professor mas tendo leccionado na minha universidade (voltou passado uns tempos e continua por lá), deu-me dicas preciosas (pena não terem vindo logo no primeiro ano de faculdade), explicou-me quais deveriam de ser as prioridades de um jornalista, os passos certos para chegar à profissão e até a forma correcta de "montar" uma boa história e uma reportagem.
Foi uma aula completa, com direito a pausas para tratar de assuntos da edição, ou com o José Manuel Fernandes ou o Nuno Pacheco..., e eu ali, puto, a achar tudo aquilo o máximo... a achar incrível como a minha teimosia e espírito de missão me tinham levado até àquela situação, que causaria inveja a todos os meus colegas.
Confesso que nem tudo aquilo que o António Granado me quis ensinar naquela tarde, foi assimilado à primeira, foi preciso meter as mãos no trabalho diário para perceber, assimilar, mas foi uma porta que se abriu. Aprendi mais naqueles minutos do que em anos de curso. Senti-me mais inspirado ali, na redacção do Público, do que em toda a licenciatura. Embora ele me tenha contado todas as dificuldades de acesso à profissão, os desafios muito difíceis na altura para os jornalistas, acho que foi ali que senti o empurrão final para seguir em frente.
Embora hoje continue a sentir alguma inveja ao ouvir colegas de curso de anos seguintes que falam maravilhas no professor António Granado que, na verdade, nunca tive enquanto tal, sinto-me um pouco reconfortado por ter tido aquela tarde de Público - um jornal que, à semelhança da TSF, foi dos sítios onde aprendi mais a fazer o que faço hoje.
Digo tudo isto, porque fiquei algo perplexo pelo António Granado ter saído no final de Fevereiro o jornal Público.

Adenda: Outra lição curiosa daquela tarde foi sobre as especializações. Percebi que não era necessário ser especialista em ciência para fazer a secção Ciência. Até porque, por um lado, um jornalista demasiado especialista iria ter tendência a escrever de forma a que ninguém percebesse. Alguém menos especialista, teria naturalmente de se informar, contactar inclusive especialistas para se inteirar de um tema, mas escreveria de forma mais simples para o leitor comum. Ele deu o exemplo da Ciência, porque aconteceu-lhe isso, foi parar à secção Ciência e evolui bastante aí embora não fosse, inicialmente, especialista na matéria. A base do jornalismo está ali. Não domina um assunto? Informa-se o máximo e melhor possível, e transmite a melhor informação do modo mais simples e perceptível para o leitor comum. Simples.


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