(...) "o processo da visão passar por três tempos, consequentes mas de alguma maneira autónomos, que se podem traduzir assim: pode-se olhar e não ver, pode-se ver e não reparar, consoante o grau de atenção que pusermos em cada uma destas acções. É conhecida a reacção da pessoa que, tendo consultado o seu relógio de pulso, torna a consultá-lo se, nesse mesmo momento, alguém lhe perguntar as horas. Foi então que se fez luz na minha cabeça sobre a origem primeira da famosa epígrafe. Quando eu era pequeno, a palavra reparar, supondo que já a conhecesse, não seria para mim um objecto de primeira necessidade até que um dia um tio meu (creio ter sido aquele Francisco Dinis de quem falei em As pequenas memórias) me chamou a atenção para uma certa maneira de olhar dos touros que quase sempre, comprovei-o depois, é acompanhada por uma certa maneira de erguer a cabeça. Meu tio dizia: “Ele olhou para ti, quando olhou para ti, viu-te, e agora é diferente, é outra coisa, está a reparar”."
José Saramago, in Reparar outra vez
sexta-feira, março 06, 2009
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