Miguel Esteves Cardoso é o novo cronista do Público, todos os dias!
Como é só para assinantes, deixo a primeira crónica completa aqui:
Tu não nos morras
05.01.2009, Miguel Esteves Cardoso
Quando eu era ainda mais novo do que sou hoje, julgava que os velhos do Beckett eram personagens abstractos. Se tinham cabelo branco até à cintura, cabeças caídas e passos vagarosos era porque Beckett imaginara-os assim.
Agora vejo que não era por isso que são universais. Era por serem mesmo velhos: os velhos que, se tivermos sorte, muitos de nós ainda havemos de ser. A morte da senhora de 115 anos, Maria de Jesus, não deve ter sido boa notícia para Augusto Moreira. Este era uns bons três anos mais novo. Mas agora, com os mesmos 112 que tinha, passou a ser o mais velho de Portugal.
Em contrapartida, nós os mais novitos - toda a população - adoramos estas histórias. Fazem-nos sentir jovens. Dão-nos esperança de chegar, vá lá, aos 90. Então se o "segredo" é um vício, deliramos. O do Sr. Moreira é um cálice de Porto por dia. Que nós logo convertemos, em termos etários, para nosso próprio consumo, para uma garrafa de tinto.
O Sr.Moreira não é perfeito: não fuma. Mas come "sopas fortes". De resto, como contou Ana Cristina Pereira no PÚBLICO de ontem, "quase não anda, quase não ouve, quase não vê, quase não fala." No entanto, na noite de sexta para sábado, chamou muitas vezes pela filha. Que queria ele? "Quero uma saia", respondeu ele uma vez. E, doutra: "Quero debulhar milho." Tenho de reler Beckett. Se calhar não era tão bom como eu pensava.
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