[Um José Rodrigues amargurado e triste pela forma como foi tratado na RTP nos últimos anos confessa-se hoje na revista Pública, em entrevista a Ana Machado. JRS era director de informação da RTP quando foi meu professor na Nova de Lisboa. Notava-se que era um cargo que o entusiasmava bastante, e também que lhe ocupava bastante tempo. Coloco de seguida o artigo completo já que só está disponível no Público para assinantes.]
José Rodrigues dos Santos: Ainda hoje estou a pagar por me ter oposto à interferência da actual administração
José Rodrigues dos Santos diz que foi por decisão sua que, em 2004, depois de se ter demitido do cargo de director de informação da RTP, deixou de ter qualquer decisão sobre o alinhamento das notícias que leva aos portugueses no horário nobre da televisão pública. O episódio da saída de Rodrigues dos Santos da direcção de informação, em Novembro de 2004, foi sobejamente falado - insurgiu-se contra o facto da administração do canal público ter decidido seleccionar como correspondente em Madrid a quarta classificada de um concurso para o cargo.
Segundo Rodrigues dos Santos a escolha do repórter é da direcção editorial: "Quem escolhe o repórter para fazer uma reportagem na Assembleia da República, na Avenida dos Aliados ou em Las Ramblas não é a administração, é o director".
O órgão regulador de então, a Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS), na altura, também assim entendeu: "Na RTP, a administração administra, gere, as direcções de informação e de programação formatam, dirigem e executam a disponibilização de conteúdos. Manter essa fundamental separação de responsabilidades resulta ser um factor decisivo e indeclinável da saúde - e dir-se-á até da existência - do próprio serviço público", disse a AACS num parecer emitido a 30 de Novembro de 2004.
O Governo então em mandato, o de Pedro Santana Lopes, tinha os dias contados. Foi precisamente a 30 de Novembro que o ex-Presidente Jorge Sampaio dissolveu a Assembleia e convocou eleições antecipadas para Fevereiro de 2005. José Rodrigues dos Santos recorda que este caso ficou então soterrado pelo estado de instabilidade política do país. E a AACS seria extinta e substituída um ano depois pela actual Entidade Reguladora para a Comunicação Social, ERC.
"Uma coisa é a administração, que é nomeada pelo Governo, tentar convencer-me a fazer algo na área editorial, mas a respeitar, mesmo com desagrado, a minha decisão de não me deixar convencer. Isto aconteceu-me com frequência mas não considero que essas tentativas tenham sido interferências, porque a decisão final editorial manteve-se do director e, com agrado ou irritação, foi sempre respeitada. Outra coisa é a administração tomar uma decisão na área editorial em substituição do director - na realidade, contra ele. Isso é interferência consumada", diz, frisando que, apesar de investigado e condenado pelo regulador, o caso da nomeação do correspondente em Madrid ficou sem justiça até hoje.
José Rodrigues dos Santos confessa que se sente hoje desmotivado, e que talvez tenha sido essa a maior alteração que a sua vida profissional tem sofrido ao longo dos últimos anos: "Ver o poder interferir despudoradamente na informação como eu vi é algo que desmotiva", afirma, ressalvando o caso da administração de João Carlos Silva em que "houve um respeito escrupuloso pelas decisões editoriais do director, mesmo nas múltiplas situações em que elas suscitavam grande embaraço na relação institucional da RTP com o Governo".
Mas frisa que os contactos directos com membros dos sucessivos governos, ao longo da carreira de pivô e também enquanto director de informação, foram "quase inexistentes": "As minhas conversas com os governos, PS ou PSD, foram quase inexistentes. Na minha experiência, os governos contactam as administrações e depois estas passam, ou não, os recados".
Foi essa ausência de contacto directo com políticos que frisou quando, a 9 de Novembro de 2006, foi chamado à ERC para ser ouvido no âmbito do caso levantado por um artigo do jornal Expresso em que o deputado Agostinho Branquinho denunciava que assessores do primeiro-ministro teriam contactado a RTP para condicionar um alinhamento de um Telejornal.
"A ERC convocou-me para me perguntar se fui eu o apresentador que terá recebido uma chamada de um assessor a meio do jornal. Respondi com a verdade: não fui", afirma acrescentando, em tom irónico que não parece verosímil que um apresentador se levante a meio do jornal para ir atender um telefonema à régie. "E perguntaram-me se era verosímil a régie colocar o telefonema no auricular. Embora nunca tenha assistido a uma situação dessas, isso era tecnicamente possível, embora a consequência fosse que toda a régie iria ouvir a conversa".
Confessa que a sua definição de pressão inclui uma ameaça explícita: "por exemplo, ou fazes isto ou és demitido" - e que isso nunca lhe aconteceu. Mas que se se entender por pressão "qualquer exigência ou protesto feito por uma pessoa que tem poder hierárquico sobre outra", como, segundo Rodrigues dos Santos, era o entendimento do anterior regulador, a ameaça não precisa de ser explícita porque está sempre implícita. "Perante esta definição declarei que já fui pressionado", disse sobre a sua audiência na ERC.
O caso levantado pelo "Expresso" surgiu após um outro, levantado a 20 de Agosto de 2006, quando o crítico de televisão Eduardo Cintra Torres denunciou no PÚBLICO a interferência directa do gabinete do primeiro-ministro no alinhamento do Telejornal visando secundarizar a importância que os incêndios estavam a ter. O Telejornal em causa, apontado por Cintra Torres, o de dia 12 de Agosto de 2006, fora apresentado por José Rodrigues dos Santos.
A ERC, que, ouvidas as partes, acusou este jornal de "falta de rigor" e que deu como não provada a interferência denunciada, acabou por nunca ouvir José Rodrigues dos Santos sobre o assunto, como o próprio revelou ao PÚBLICO, uma vez que este estava ausente do país quando decorreram as audições sobre esta matéria.
José Rodrigues dos Santos afirma que ainda hoje está a pagar por se ter "oposto à interferência da actual administração". E questionado sobre se já ponderou abandonar a RTP, onde entrou em 1990, a resposta é: "Claro que sim". E frisa que já, por várias ocasiões, foi convidado para outros canais nacionais e estrangeiros: "Recebi, ao longo dos anos, convites de outras televisões, designadamente as privadas portuguesas e a CNN. No caso das portuguesas, para funções como as que actualmente desempenho na RTP. No caso da CNN para ser correspondente no Rio de Janeiro".
Se pudesse mudar alguma coisa do seu passado talvez não tivesse rejeitado esses convites: "À parte pequenos pormenores, não sei o que não repetiria: Olhe, se calhar não tinha recusado um convite das privadas. Pagavam-me melhor e não tinha de me sujeitar a indignidades". Mas questionado sobre se um cenário de saída do operador público pode estar para breve, responde: "Claro que não".
Contactada, Luís Marinho, director de informação da RTP disse: "Não sei do que está a falar José Rodrigues dos Santos. Não sei se está a falar de situações do presente ou do passado. Se são do passado devia tê-las denunciado na altura". Frisa que nunca foi alvo de pressões desta administração, que classifica como exemplar, para a seguir dizer: "A RTP está sujeita a pressões como outros órgãos de comunicação social o estão". E rejeita que a credibilidade da RTP saia fragilizada destas acusações.
Já o conselho de administração nega que tenha praticado alguma interferência: "A Administração da RTP reafirma o que sempre tem dito e o que sempre tem feito: nunca interferiu nem interfere nas opções editoriais da Direcção de Informação". E prefere não comentar as acusações feitas por José Rodrigues dos Santos. "Não temos por hábito discutir os problemas internos da empresa em público, sobretudo quando têm origem em declarações de um seu funcionário. No entanto, dada a gravidade dos excertos que nos foram comunicados, a Administração da RTP reserva a possibilidade de uma resposta quando tiver o conhecimento completo das declarações proferidas pelo Professor José Rodrigues dos Santos."
O que diz José Rodrigues dos Santos
"Julgo que foi crucial a defesa que fiz contra as interferências ilegítimas da actual administração em matéria editorial. Ainda pago um preço elevado por isso."
"Uma coisa é a administração, que é nomeada pelo governo, tentar convencer-me a fazer algo na área editorial, mas a respeitar, mesmo com desagrado, a minha decisão de não me deixar convencer. Outra coisa é a administração tomar uma decisão na área editorial em substituição do director - na realidade, contra ele. Isso é interferência consumada."
"Falo na interferência da administração na área editorial. As minhas conversas com os governos, PS ou PSD, foram quase inexistentes. Na minha experiência, os governos contactam as administrações e depois estas passam, ou não, os recados."
"Sempre tive grande influência nos alinhamentos do Telejornal, mas hoje já não, e também por opção própria".
"No meu caso o que mudou foi sobretudo a motivação. Ver o poder interferir despudoradamente na informação da forma como eu vi é algo que desmotiva. Mas, à parte pequenos pormenores, não sei o que não repetiria. Olhe, se calhar não teria recusado um convite das privadas. Pagavam-me melhor e não tinha de me sujeitar a indignidades."
O que dizem os outros pivôs
Clara de Sousa, SIC, Jornal da Noite
"Nunca tive de ceder a ninguém. Mas não tenho funções de coordenação. Apesar de me chocar que se tente, pressionar faz parte do jogo. Eles tentam. Mas daí a conseguirem vai um passo muito grande. Aqui na SIC, com os directores que tenho, agradece-se e manda-se para trás. Tenho uma confiança absoluta nos meus directores."
Alberta Marques Fernandes, RTP 2, Jornal 2
"Nunca senti pressão alguma. Estaria a mentir se dissesse que sim. Mas considero-me uma privilegiada num jornal com uma audiência, embora qualificada, residual. As pessoas centram-se muito na pressão política e isso é uma avaliação muito óbvia. Hoje em dia o sector que exerce mais pressão é o económico, porque mexe com dinheiro. Esse é um debate que os jornalistas deviam ter. Haver pressões é perfeitamente saudável. Ceder-lhes é que já não é saudável."
José Carlos Castro, TVI,
"Todo o poder político tem tendência para dominar a notícia. Se puderem ter notícias favoráveis tanto melhor. Mas o jornalista deve saber resistir a essas pressões. Mas confesso que já passei por momentos em que me senti desconfortável. Agora não há mais pressão na RTP do que na TVI."
Manuela Moura Guedes, TVI, sub-directora de informação
"Não há pior coisa do que vivermos sob a capa de um sistema que não o é. Estou a falar de liberdade de expressão. Mas a mim ninguém me pressiona. Devo ser a única pessoa num cargo de direcção que não recebe telefonemas de assessores. Não me pressionam porque nesse dia vou-me embora, mas não faço um frete, não consigo. Não faço ideia do que é isso da pressão".
O que dizem os políticos
Nuno Morais Sarmento, ex-ministro-adjunto do primeiro-ministro com a tutela da RTP
"Faz-me confusão falar de um caso já esclarecido, quatro anos depois [sobre a nomeação do correspondente em Madrid], só porque envolve uma princesa chamada José Rodrigues dos Santos, quando há três meses atrás tínhamos assessores do Governo a interferir directamente, perante o silêncio cobarde dos jornalistas."
"Hoje temos um primeiro-ministro a dar ordens a jornalistas da RTP, a convidar a direcção de informação da RTP para almoçar, em almoços privados, passando por cima da administração. Se eu acho que isto faz sentido? Não. O próprio Durão Barroso recebeu uma vez a direcção de informação, formalmente. Se o assunto é sobre interferência não vale a pena ir tão atrás no tempo. Eu não tenho medo de o dizer. Mas vejo que os jornalistas têm medo. Isso é que me incomoda. Há uma passividade cobarde dos jornalistas, por conveniência, fazendo silêncio numa situação como nunca tinham feito. Já para não falar nos avençados. Os que não são esperam sê-lo."
"Nunca falei com o director de informação da RTP, José Rodrigues dos Santos, em quatro anos, ao contrário do que ele me disse a mim, sobre o Governo de Guterres. Falámos uma vez porque ele me contactou para me cumprimentar."
"Conheço esta administração da RTP e ela deve ter hoje o mesmo comportamento que sempre teve. Não são barriga de aluguer de Governo nenhum, não se prestam a serviços desses. Este Governo não utiliza administrações, interfere directamente."
Agostinho Branquinho, deputado do PSD
"Sempre disse e reafirmo que o PSD também tem os seus pecadilhos. Podia-me escudar e dizer que em 2004 estava na actividade privada Mas a última coisa que eu quero na vida é tapar o Sol com a peneira. Fizemos um esforço sério no último Governo para acabar com este tipo de interferências. Se houve momento, depois do 25 de Abril em que se lutou contra estas interferências, foi esse."
"Acho, com toda a sinceridade, que o Governo não se meteu no caso do correspondente de Madrid. Eu criticaria. Foi sim a administração e aqui dois e dois não são quatro, mesmo tendo o Governo confiança política na administração".
"Mas isto de interferências do Governo na programação e informação é Sol que há muito se pôs. Isso está claro nos últimos tempos".
"Não foi o jornalista José Rodrigues dos Santos que foi pressionado sobre a matéria que lhe falei [sobre o telefonema feito para o Telejornal]. Não lhe vou dizer quem foi porque essa pessoa podia ter o seu posto em causa. Mas juro pela saúde dos meus filhos que não menti. Agora eu disse sempre que as pessoas que negaram que houvesse pressões me haviam de dar razão. Há interferência nos alinhamentos, na escolha das reportagens e nos convidados a escolher".
"Se ele [José Rodrigues dos Santos] hoje diz isso, vindo de um profissional como ele, que ao longo da carreira teve sempre um distanciamento face à política, acho que há aí matéria suficiente para a ERC cumprir desta vez com aquilo que são as suas funções".
Alberto Arons de Carvalho, deputado do PS, ex-secretário de Estado para a Comunicação Social, a preparar doutoramento sobre serviço público de TV
"Defendi sempre a independência da actividade jornalística na RTP e insurgi-me contra a opinião contrária do PSD. Gostava de ouvir agora a opinião deles."
""No contrato de concessão pública há sempre uma interferência imanente, quando se define, por exemplo, determinadas horas de emissão de peças de teatro. O que não é legítimo é telefonar para o Telejornal ou para o director de informação a dar ordens. E não tenho indicação que isso se passe".
"Conheço o ministro santos Silva suficientemente bem para saber que ele não passa recados. E quero lembrar que este Governo [de José Sócrates] foi o primeiro que manteve o mandato da administração que acabará agora em Dezembro, Se renovará ou não, não sei".
"O José Rodrigues dos Santos poderá confirmar que o pior momento na RTP ocorreu no início dos anos 90, na parte final do Governo de cavaco Silva, mas não por interferência do próprio Governo. Acredito que ele [José Rodrigues dos Santos] esteja muito magoado com o que se passa na RTP mas creio que está hoje garantida a liberdade de informação na RTP".
"O desgaste de um Governo que quer controlar, mesmo subtilmente, é enorme. E hoje as pessoas são informadas por múltiplas formas, com a Internet".
"Ele [Rodrigues dos Santos] devia concretizar melhor as acusações que faz uma vez que também está a admitir que é a voz de uma informação manipulada."
Augusto Santos Silva, ministro dos Assuntos Parlamentares, com a tutela da RTP
"Parece-me que o entrevistado se refere ao tempo em que era director de informação. Sobre a referência à administração, só esta se poderá pronunciar. De qualquer modo, posso assegurar que, nos meus mandatos como ministro responsável pela área da comunicação social (seja em 2001-2002, seja a partir de 2005) nunca contactei a administração da RTP em funções para transmitir qualquer "recado" (para usar a palavra do entrevistado) sobre questões editoriais".
domingo, outubro 07, 2007
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