"O hábito de pensar que o leitor é estúpido permanece um dos piores vícios do jornalismo."
Miguel Gaspar, in DN
Dos públicos e da ignorância - Opinião de Miguel Gaspar
Duas frases desta semana. Uma de Estrela Serrano, na apresentação do livro sobre a sua experiência como provedora aqui no DN: os jornalistas ou não conhecem os seus públicos ou ignoram-nos e isso não mudou nos últimos anos. Outra de José António Saraiva, director do futuro semanário Sol: "quero vender 50 mil exemplares no fim do primeiro ano." Parece que alguém no jornalismo não acredita no que diz Estrela Serrano - para chegar aos 50 mil jornais num ano é preciso conhecer muito bem os públicos. Mas eu acho que a ex-provedora dos leitores do DN tem razão e não é por desejar mal ao sonho do arquitecto Saraiva de ir à procura dos leitores "antigo Expresso" (estou a citar). Mesmo desmedida, a ambição vale a pena. E o homem, pelo menos, quer ter leitores.
Como é que se conhecem os públicos? Não tenho a resposta.
(...)
E se admitíssemos, pelo contrário, que o jornalismo que se faz não é suficiente para os critérios e gostos de leitores, nem vou dizer de elite, mas apenas culturalmente um pouco acima da média? O hábito de pensar que o leitor é estúpido permanece um dos piores vícios do jornalismo.
O universo dos leitores de jornais não é muito extenso e não pode ser pensado da mesma forma que as audiências das televisões, quantitativamente muito maiores. Nem aquilo que um determinado espectador espera da televisão é necessariamente o mesmo que procura num jornal.
Os leitores de um jornal querem várias coisas. No todo, julgo que o leitor quer sobretudo ser informado - chegar ao fim da leitura, mesmo que breve, do jornal e ficar a saber mais qualquer coisa. A proximidade é um dos items - que felizmente redescobrimos, porque já existiu numa forma mais espontânea - mas não é o único. A proximidade não é apenas geográfica, é simbólica. Nesse sentido, um acontecimento no outro extremo do planeta pode ser próximo.
Os jornalistas têm de saber fazer o mais difícil, que é também o mais simples: interrogar o mundo em vez de o adaptar à medida dos seus preconceitos e alçapões mentais. Sem isso, o que farão é apenas uma sombra do jornalismo.
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segunda-feira, maio 08, 2006
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1 comentário:
"Os jornalistas têm de saber fazer o mais difícil, que é também o mais simples: interrogar o mundo em vez de o adaptar à medida dos seus preconceitos e alçapões mentais. Sem isso, o que farão é apenas uma sombra do jornalismo."
Subscrevo totalmente!
Acho que hoje um dos problemas do jornalismo é precisamente não interrogar o mundo. E pior: achar que já é detentor da verdade, e que não tem nada a aprender. E isto vê-se desde logo na universidade, nos cursos de Comunicação. Nota-se uma acomodação, uma falta de curiosidade em relação às coisas, e, o que é o pior de tudo: preconceitos, uma assustadora quantidade de preconceitos! E se esta é a postura dos futuros jornalistas, eles que, acima de toda a gente deveriam ter uma postura aberta sobre o mundo, parece-me muito mau sinal...
Mas talvez a culpa também possa ser atribuída em parte às universidades, que formam cada vez mais cientistas da comunicação em vez de jornalistas; que incentivam cada vez menos aquilo que seria mais importante incentivar, que seria o conhecer a realidade, o ir para o terreno, o explorar as coisas. Mas, claro, primeiro que nada, a culpa dos preconceitos que se tem está em cada um. Ou se calhar simplesmente escolheram a profissão errada... Mas infelizmente a avaliação dos preconceitos não faz parte dos requisitos para aceder à profissão de jornalista.
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