sábado, abril 01, 2006
nuno artur silva in dn
[Por ser um fã tão grande de Nuno Artur Silva e da empresa que ele criou, reproduzo de seguida a entrevista dele ao Diário de Notícias, na edição de hoje. Entrevistei-o há uns meses a propósito da evolução das sátiras sociais em Portugal - artigo que colocarei aqui em breve. É uma pessoa simpática, acessível e com uma noção muita clara do que o rodeia. É sóbrio nas opiniões.]
"Modelo de ficção actual empobrece o imaginário" - in DN
Contra-Informação, os textos do Herman ("o melhor entertainer português de sempre", diz Nuno Artur Silva), a série Bocage, ou a produção do Gato Fedorento. Também "o primeiro videocast português, O Horror Inominável - a abrir um caminho que passa por novos formatos. Tudo tem o carimbo das Produções Fictícias, colectivo que hoje sopra as velas. Para marcar a data, é editado o livro de Inês Fonseca Santos, Produções Fictícias, 13 Anos de Insucessos.
Como é que assiste à multiplicação de empresas de argumentos, 13 anos depois das Produções?
A questão não está em aparecerem, está em durarem. O difícil é criar um projecto que dure. Estas empresas são uma forma de chegar a um certo reconhecimento mediático, muito ilusório, que se calhar entusiasma algumas pessoas. Para já, são circunstanciais. Rui Vilhena fez uma empresa porque teve um êxito, a Teresa [Guilherme] agora é directora de ficção da SIC e dá tudo à empresa do marido. Eu gostaria era de ter mercado onde houvesse competição de ideias. A nova SIC está a traduzir formatos espanhóis, o que não me parece absolutamente nada estimulante. As novelas da TVI têm um grande mérito da direcção do canal, que soube perceber que havia ali, do ponto de vista do mercado, um filão a explorar. Mas aquele modelo de telenovela é muito ditatorial, queima tudo à volta. Gostaria de ver algumas séries que fugissem a essa lógica.
Quando diz queima tudo à volta, é a nível financeiro?
É o próprio modelo de ficção que leva a coisas como "ai ele representa muito bem, é muito natural". Isto torna-se uma espécie de valor. A televisão internacional tem uma oferta tão rica, tão variada e quando há formas tão estimulantes para contar histórias, nós passamos a vida a ver novelas onde há criadas e empregadas, o rico casa com o pobre... Isto é um empobrecimento do imaginário. Ainda por cima, caem nos maiores lugares- -comuns e estereótipos sociais e isso é muito empobrecedor para a sociedade. Isto é porque o nosso mercado é pequeno. O que se está a passar de mais estimulante hoje não passa nas televisões portuguesas.
Já teve alguma proposta? Gostaria de fazer uma novela?
Eu gostaria de fazer uma novela, uma única novela que pudesse brincar com estas convenções. Mas não é a coisa que mais me estimula.
E qual é?
Há uma geração nova que cresce a absorver coisas a nível mundial que eu gostaria de ver a fazer filmes, a realizar, a produzir e a encontrar os seus públicos. Gostaria que, ao nível da plataforma cabo, houvesse uma vontade grande de realizar projectos alternativos, com energia, com um olhar diferente, com capacidade de criação e ideias. Risco, risco, risco...
Como vê o futuro?
Tem que se pensar a televisão num contexto mais vasto. As pessoas hoje estão a consumir "televisão" de muita maneira, nos telemóveis, nos ipods... Isto vai mudar tudo: a forma de construir histórias, vão entrar no jogo muito mais players. Hoje em dia é impensável conceber um conteúdo sem pensar nos vários suportes. Há um conceito, que se torna uma marca, que vai ter sequência em televisão, depois edita-se o livro, depois o DVD, quando é possível faz-se merchandising e os ganhos vão ser a so-ma disto tudo. Hoje um conteúdo passa por ser uma marca forte.
in DN - por Marina Almeida
"As religiões são o benfiquismo, o sportinguismo e o portismo"
O humor é o principal acervo das Produções Fictícias?
Tem sido porque todas as outras ideias que temos são dificilmente realizáveis em Portugal. Por exemplo, séries de ficção científica. Tenho pena de estar em Portugal porque não temos condições para as fazer. O humor é mais fácil de concretizar. Acabámos conhecidos como humoristas, mas a maior parte das pessoas aqui é ficcionista, gostaria de escrever ficção.
Tem pena de estar em Portugal... o território é uma barreira?
A língua. Podíamos passar para o Brasil, mas eles não nos compreendem. Angola e Moçambique acabaram de sair de guerras, estão noutra fase. Produzir em português é produzir para Portugal. Com o atraso cultural (os 50 anos do salazarismo são muito mais que isso) e a formatação do português...
Por isso fala da nova geração?
Sim, porque tenho esperança. Os miúdos estão a crescer num mundo que não é o salazarismo. Depois da Revolução ainda temos mecanismos do "com isso não se brinca", frases tipicamente salazaristas. A própria economia portuguesa, os grandes grupos estão sempre dependentes do Estado. Desse ponto de vista, este é um país de funcionários públicos, da má mentalidade de funcionário público.
Disse que há algumas zonas da sociedade mais livres de censura que outras, por causa da Última Ceia...
Há vários tipos de censura, mas a que motivou a Última Ceia, hoje já não acontecia.
Porquê?
Estamos na Europa ocidental. Acho muito bem quando fazemos uma coisa que ofende religiosamente, que as pessoas protestem. Elas têm esse direito. Eu tenho direito à liberdade. É simples e chama-se democracia, chama-se república, Estado laico. Temos todos direito.
Não há limites?
Nós aqui nas Produções Fictícias temos limites de bom gosto e há sempre uma ética que tem que estar presente. O humor é tanto mais interessante quando é dirigido para os poderosos. É errado gozar com os desprotegidos. É muito mais interessante quando o humor é atirado tipo fisga para o porta-aviões. Ainda mais se a pedrinha da fisga entrar pela janelinha pequenina e abrir um lenho na cabeça do comandante.
Têm aberto muitos lenhos?
Não faço ideia. Acho que teremos aberto aqui e ali, mas não tenho grandes ilusões em relação ao poder transformador do humor. Já me chega ter despertado sorrisos aqui e ali, já é suficientemente gratificante.
E a censura dos poderosos?
Hoje em dia a censura é muito mais económica. Se eu fizer uma piada sobre um financeiro ou um grupo que seja o principal financiador do sítio onde estou a trabalhar, lá se vai o patrocínio. É o mais efectivo problema de censura.
E os políticos?
Eles sabem se eles próprios vierem protestar contra o humor, isso pode custar-lhes politicamente ca-ro. Agora, nunca tivemos reacções tão violentas, tão agressivas como do futebol. Gozar com o Benfica, o Porto ou o Sporting dá direito a ameaças de morte, comprome- te-nos se estivermos a trabalhar para órgãos desportivos... Os fundamentalismos religiosos de Portugal estão no futebol. As religiões são o benfiquismo, o sportinguismo e o portismo. Os nossos fanáticos muçulmanos estão todos lá.
in DN - por Marina Almeida
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário