"Esta reportagem pode dar voz aos imigrantes ilegais"
Fabrizzio Gatti contou ao DN como foi estar na pele de um imigrante clandestino detido no centro de Lampedusa, Itália
De onde partiu a ideia para a reportagem sobre Lampedusa?
Trabalho com a questão da imigração há muito tempo e Itália é uma porta de entrada na Europa. Em Itália, em 1999, o Governo de esquerda abriu centros de detenção para imigrantes ilegais, mas a imprensa nunca foi autorizada a visitá-los. Já tinha feito um trabalho assim em Milão, como imigrante romeno. Passados cinco anos, as condições são piores e decidi fazer o mesmo trabalho no campo de Lampedusa. Houve uma delegação do Parlamento Europeu que pediu para o visitar, mas só encontraram 11 pessoas, o campo tinha sido limpo, mas eu tinha a certeza de que as condições eram muito diferentes.
E como iniciou o trabalho?
Saltei de um penhasco e estive quatro horas na água até que alguém me visse. Fui levado para o campo, onde disse que era Bilal Ibrahim el Habib, do Curdistão iraquiano.
Quanto tempo esteve em Lampedusa?
Estive no campo oito dias, o suficiente para ver muita violência e humilhação.
Passou por situações difíceis....
A 24 de Setembro esperávamos um repatriamento para a Líbia e outros campos. Estávamos num contentor, com água suja a sair da sanita, o chão estava coberto de água, fezes e urina e sentaram-nos ali. Estivemos horas assim e foi a primeira experiência chocante.
A justiça é aplicada?
Não há garantias legais. Segundo a Constituição italiana, um prisioneiro deve ser ouvido por um juiz dentro de 48 horas, depois da detenção. Se não houver essa possibilidade, tem que ser libertado. Estive ali oito dias e nenhum juiz falou comigo ou com os outros prisioneiros. Nos interrogatórios tive uma intérprete marroquina. No fim, ela disse aos polícias, em italiano, que eu devia ser iraquiano por causa do sotaque. O que era chocante era ser a intérprete a acabar por decidir de onde as pessoas eram.
Estes trabalhos, de Milão e Lampedusa, tiveram consequências pessoais?
Actualmente estou sob investigação e, pelo trabalho de há cinco anos, em Milão, fui condenado a 20 dias de cadeia. Vou ter uma audiência de recurso e veremos se terei de ir para a prisão. Esta é outra questão, porque joga também com o direito à informação. Se não fizesse isto, não teria forma de entrar no campo.
Como jornalista, como se preparou?
Trabalho com a questão da imigração há muitos anos e já sei o que perguntar, quando perguntar e o que responder. Tive de falar em inglês e francês. No caso de Lampedusa, o problema era o perigo da possível deportação para a Líbia, aí teria que dizer que era jornalista. Mas quando estive lá dentro tentei ser Bilal Ibrahim el Habib e não o Fabrizzio Gatti.
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segunda-feira, dezembro 12, 2005
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