[Alguns minutos antes de Ricardo Araújo Pereira ter ido para esta conferência, eu tive a entrevistá-lo muito brevemente a propósito do filme Madagáscar. Ele estava cheio de pressa, por isso foi mesmo muito breve.]
Discutir jornalismo
Questionar a crónica soltou a boa disposição
A ideia de que o leitor não entende a ironia fechou mais um debate na Almedina
Por um momento, esquecemo-nos de que estávamos num debate sobre crónicas nos jornais e parecia termos entrado num sketch do Gato Fedorento. O humor de Ricardo Araújo Pereira contagiou Clara Ferreira Alves e Eduardo Prado Coelho, os outros dois participantes em mais um encontro do Ciclo Comunicação, na Livraria Almedina, em Lisboa.
O autor da crónica Boca do Inferno na revista Visão começou a sua intervenção dizendo que no início não estava habituado às reacções dos leitores, "mas depois uma pessoa afeiçoa-se a irritar gente". Receptor de muitos e-mails de indignação e de crítica à ironia, Ricardo Araújo Pereira admite que não é entendido por muitas pessoas. "Mencionei numa crónica que no tempo da ditadura os agentes da PIDE iriam comprar as suas ferramentas de tortura ao AKI para usar no Tarrafal, e escreveram-me indignados a explicar que naquele tempo não havia AKI em Portugal. As pessoas não entendem a ironia porque nós não temos tradição de crónica humorística", referiu. "Para a Visão pareceu-me interessante fazer uma crónica de humor que desmontasse a actualidade", acrescentou.
Em tom mais sério e seis anos e duas mil e duzentas crónicas depois, o ensaísta Eduardo Prado Coelho, colaborador do jornal Público, lembrou que a crónica "toca nos diversos registos. É uma espécie de diário não íntimo mas que tem a ver com episódios da vida pessoal" em várias linhas, desde logo na intervenção política, na análise de determinada figura pública ou ainda com questões do quotidiano. Concordando com o humorista do Gato Fedorento, na incompreensão da ironia por parte dos leitores, Prado Coelho avançou para uma história. "Certa altura, no serviço público, o programa mais visto era o Menino Tonecas. Escrevi uma crónica onde dizia que o programa era inovador, de vanguarda, coragem Tonecas, o serviço público está em boas mãos, etc. Passado algum tempo, percebi que as pessoas não entendiam o registo da ironia, porque de facto pensavam que tinha sido um elogio", confidenciou.
É sabido que "uma crónica depende da tradição dos países. A crónica ideal tem uma primeira frase de choque. A questão da frase inicial é importante, e da frase final também, que deverá ser 'assassina'", considerou Eduardo Prado Coelho, sublinhando que "o útil é que se crie um estilo pessoal que os leitores reconheçam e com o qual se identifiquem".
Por seu lado, Clara Ferreira Alves, autora da Pluma Caprichosa, no Expresso, disse que tenta "escrever crónicas que, embora sejam um bocadinho raivosas, possam dar alguma luz e até ter sentido de humor". Regra geral, "as pessoas passam por situações semelhantes e identificam-se. Tento que seja variável e não há um modelo único para escrever sobre as coisas, mas nunca utilizei a minha crónica para tirar vantagem disso", sublinhou a jornalista.
Em discussão esteve ainda a polémica intelectual em Portugal, que, segundo os interlocutores, é inexistente. "Nós, talvez pelos brandos costumes, estamos arrumados nos mesmos sítios, o que não gera grande polémica intelectual, apenas algumas irritações. Não temos jeito para sermos terrivelmente violentos de modo suave, como têm os ingleses", concluiu Clara Ferreira Alves.
in DN, por Paula Mourato
sábado, junho 25, 2005
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