domingo, abril 10, 2005

brincar


Brincar também é crescer
Os brinquedos marcam uma época, uma geração e uma vivência. A imaginação é fundamental e a reconstrução de significado uma força que nasce na infância. No Hospital das Bonecas a força motriz é a criatividade. Restauram-se brinquedos como quem reinventa um jogo, uma brincadeira, um boneco. Quanto mais simples for a boneca, o peluche ou o carrinho, maiores são as possibilidades de os recriar, de apelar à criatividade e também ao convívio.

Longe vão os tempos em que a sociabilidade entre as crianças acontecia diante de uma bola de futebol ou de um jogo onde cabia sempre mais um "Antigamente, a boneca era utilizada, quando a criança estava sozinha, para substituir a presença humana que não era possível no momento", defende Catarina Cutileiro. A conservadora acrescenta ainda que os brinquedos que "fazem tudo" limitam a imaginação da criança porque "já está tudo pensado, tudo feito, tudo preparado para uma única brincadeira" e, por isso, o passo até ao esquecimento torna-se pequeno.
No hospital, é feito um apelo diferente do que acontece num museu as crianças devem mexer nos objectos, para apelar aos sentidos, à diferença de texturas, cores e luminosidade. Neste espaço não existem tabuletas a ordenar para não tocar ou para não se aproximar. O que se pretende é o contrário, numa perspectiva construtiva e didáctica em que se apela simultaneamente à conservação dos brinquedos pelas próprias crianças, mas também dizendo-lhe que o seu boneco favorito partido tem uma solução e pode ficar outra vez arranjado.

As crianças ficam maravilhadas com o espaço e, mesmo ao observarem brinquedos partidos e desmembrados, nutrem por eles um carinho, com a certeza de que estes acabarão por ser consertados.
As histórias. No Hospital das Bonecas, as histórias acompanham os restauros como se cada boneco tivesse um coração que só bate para quem gosta dele. Aqui são muitos os corações e as histórias que habitam dentro dos brinquedos.

Todos os pais sabem que existem os brinquedos "únicos", aqueles que geram birras se se estragarem, que "testemunham" o sono dos filhos todas as noites até eles crescerem. Quando um deles desaparece, sucede-se uma crise de choro, de dor e de perda que custa a ser superada. As crianças não querem outro brinquedo, querem aquele.
Era essa a história de um casal de americanos que passou o Verão de 2004 em Lisboa. Souberam do Hospital das Bonecas através de uma conversa de café e imediatamente se aperceberam de que a solução para um boneco perdido era outro igual. No hospital, o facto não constituiu problema e rapidamente o boneco desaparecido ganhou forma, depois corpo e cor e "vida".

Mas este não é caso único. Um brasileiro que passou também uma semana de férias em Portugal quis renovar o seu coelho de peluche mas, no seu caso, afigurava-se um problema o viajante queria que a "alma" do antigo se mantivesse no novo. A solução para o coelho, que se encontrava em muito mau estado, foi forrá-lo com um veludo novo, colocar-lhe olhos, bigodes e nariz exactamente iguais ao do antigo.
Para verificar que a operação tinha sido efectuada com êxito, um orifício nas costas do coelho foi aberto para que o seu dono, sempre que sentisse saudades do passado, espreitasse para ver que a "alma" do seu velho amigo ainda se encontrava lá dentro.

Histórias menos felizes são as dos grandes ursos de peluche das lojas Natura que, periodicamente, visitam o hospital para tratar do pêlo, da sujidade e dos maus tratos que sofrem enquanto "guardiães" do espaço. Queimaduras de cigarros, línguas e orelhas arrancadas são os problemas mais graves que mostram como a infância interior de cada um não é só marcada pelo carinho e respeito.
P.C. in DN --- mais em DN

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