Redacção do PÚBLICO adopta regras éticas mais exigentes
O modo de fazer jornalismo mudou muito nos últimos 15 anos. Essas transformações reflectem-se nos conteúdos do livro, sobretudo na actualização e sistematização dos princípios que regem a actividade dos profissionais de informação
Por Carlos Pessoa - in Público
A segunda edição do "Livro de Estilo" do PÚBLICO é vendida hoje com o jornal. Esta iniciativa foi a forma escolhida para assinalar o 15º aniversário do PÚBLICO, que se cumpre amanhã - o primeiro número saiu para a rua no dia 5 de Março de 1990.
"Podíamos fazer apenas mais uma reedição do texto de 1989 [editado em livro pela primeira vez em 1997, encontra-se esgotado há muito tempo]. Mas quisemos ir mais longe - porque sentimos que tal era necessário, urgente mesmo", escreve José Manuel Fernandes, director do PÚBLICO, no prefácio a esta segunda edição. Com efeito, o mundo mudou muito desde que foi escrita a primeira versão do livro. As rádios e televisões privadas firmaram-se no panorama dos "media". No campo tradicional da imprensa ocorreram fenómenos - é o caso da grande diversidade de revistas de informação geral ou especializadas e do chamado "jornalismo cor-de-rosa", por exemplo - que não eram de todo evidentes na viragem da década de 80 para os anos 90.
Uma das consequências mais importantes desta evolução é a agressividade acrescida do modo de fazer informação que, por sua vez, suscita novas e mais complexas questões do foro ético e deontológico. Neste contexto, não surpreende que os capítulos referentes às normas que regem a actividade profissional dos jornalistas do PÚBLICO surjam totalmente refeitos. Ao texto da primeira edição, integrando uma série de regras em seis capítulos, sucede agora uma sistematização mais precisa e incisiva de 125 "Princípios e Normas de Conduta Profissional", que se apresentam organizados em quatro áreas temáticas (Princípios Gerais; Os Direitos dos Outros; O Exercício do Jornalismo; A Empresa).
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ALGUMAS NOVIDADES
Restrição no uso de fontes anónimas
Desde 1990 que o uso de fontes anónimas está perfeitamente regulamentado no "Livro de Estilo" do PÚBLICO: "O sigilo deverá ser admitido apenas em último recurso e só quando não há outra forma de obter a informação ou a confirmação por uma fonte que possa ser identificada" ou "o anonimato e o "off the record" devem ser considerados excepções e só existem para proteger a integridade e liberdade das fontes, não são formas de incitamento à irresponsabilidade das fontes", são frases que já estavam escritas há muito tempo, mas que facilmente são, ainda hoje, postas de lado perante a pressão da actualidade.
Nesta segunda edição pretendeu-se restringir um pouco mais o uso das fontes anónimas, apelando à responsabilidade de jornalistas e editores na sua utilização. Assim, nos casos em que for imprescindível utilizar fontes anónimas, passa a ser obrigatório referir o número de fontes utilizadas e não aludir a uma vaga referência como "vários dirigentes" ou "alguns responsáveis".
Por outro lado, há indicações claras para que os jornalistas não cedam ao facilitismo das fontes não identificadas quando estão em causa pessoas que são pagas por todos os portugueses para exercer funções de porta-vozes ou assessores de imprensa e recusam ver o seu nome nos jornais sob pretextos inaceitáveis. Estão nesta categoria muitos assessores de imprensa de membros do Governo e entidades públicas diversas.
Seguindo uma política recentemente adaptada pelo "The New York Times", passa também a ser possível à hierarquia do PÚBLICO pedir ao jornalista que revele as suas fontes, antes de a informação ser publicada. O jornalista mantém, como é óbvio, o direito de não revelar as suas fontes, mesmo neste caso. E o editor, ou director, têm o direito de não publicar os textos em causa. No caso de o jornalista ter decido revelar as suas fontes à hierarquia, esta encontra-se obrigada a respeitar o sigilo, inclusive em tribunal.
Ainda sobre o tema do anonimato, em dois artigos deste novo "Livro de Estilo" repete-se uma informação essencial: "Os gabinetes não falam, Belém, São Bento ou as Necessidades também não: só as pessoas podem fazer declarações."
Limitação das notícias de suicídios e ameaças de bomba
Desde há alguns anos que investigadores sociais têm vindo a defender a ligação entre as notícias de suicídios e os suicídios propriamente ditos. Dizem esses teóricos que as notícias podem encorajar potenciais suicidas a levarem em frente os seus intentos se lerem que outros o fizeram recentemente. Alguns estudos feitos neste campo provaram que os métodos e, até, os locais de suicídio tendem a ser os mesmos que foram noticiados algum tempo antes.
Por outro lado, os grupos ou indivíduos que fazem ameaças de bomba (ou outro tipo de ameaças não concretizadas) pretendem que essa intenção seja tornada pública para causar algum alarme e impacto na população. O seu objectivo é manter a população (ou uma parte dela) sob o medo constante, obrigando-a por vezes a mudar rotinas como forma de evitar essas ameaças.
Em ambos estes aspectos, os jornalistas têm particular responsabilidade e é por isso que esta nova edição do "Livro de Estilo" do PÚBLICO limita as notícias sobre suicídios e ameaças de bomba a situações muito concretas. Os suicídios só são notícia quando "envolvem figuras públicas e seja relevante destacar a causa da morte ou ilustram situações em que o recurso ao suicídio é um reflexo de um problema social". As ameaças de bomba passam apenas a ser noticiadas "quando daí resultam ou podem resultar evidentes perturbações na vida pública ou quando a sua veracidade pode ser jornalisticamente confirmada".
Recusa de prendas
Já na edição anterior do "Livro de Estilo" se dizia: "Para que o jornalista do PÚBLICO mantenha uma atitude independente e crítica perante todos os poderes e interesses estabelecidos não se aceitam presentes, viagens, convites ou "benesses" de qualquer género, sempre que possam condicionar ou coarctar, de algum modo, a independência editorial." Nesta edição, decidiu-se ir um pouco mais longe, seguindo os exemplos de outros jornais de referência, como "Le Monde" ou "The New York Times", que limitam a 70 euros e 25 dólares, respectivamente, o valor máximo das prendas que os jornalistas podem receber. A partir de agora, no PÚBLICO, "de todas as ofertas deve ser dado conhecimento à hierarquia e ofertas de valor estimativo superior a 60 euros devem ser remetidas ao expedidor". Esta disposição não visa ofender as empresas ou entidades que, por vezes, enviam ofertas aos jornalistas do PÚBLICO, sem que tenham qualquer intenção de os "comprar" por esse valor. Serve apenas para que fique claro que, a partir de um certo valor, essas prendas podem ser entendidas como uma tentativa de influenciar o que os jornalistas escrevem e deverão ser devolvidas à procedência.
Assinalar quem paga viagens e estadias de jornalistas
Se é um leitor atento do PÚBLICO, decerto já reparou que no final de algumas notícias começou a aparecer uma referência sobre quem pagou a deslocação do jornalista. "O PÚBLICO viajou num avião fretado pela Presidência da República" ou "O PÚBLICO viajou a convite da TAP" passarão a ser expressões obrigatórias no final dos textos que resultaram de viagens ou alojamentos que não foram pagos pelo jornal. Essas expressões são diferenciadas conforme se trate de viagens totalmente pagas, ou parcialmente pagas pelos promotores do acontecimento (ver a este propósito a página 188 do "Livro de Estilo").
Para que serve esta nova regra? Apenas para que seja mais transparente aos olhos do leitor a relação entre o jornalista e as suas fontes. Se foi o promotor do acontecimento que pagou a viagem ao jornalista, isso deve ser claro aos olhos do leitor.
Proibição de gravação de conversas
A gravação de conversas sem o conhecimento dos entrevistados sempre foi um recurso utilizado pelos jornalistas para evitarem um eventual desmentido das suas fontes após publicação dos resultados de uma conversa. A anterior versão do "Livro de Estilo" do PÚBLICO dizia que "a gravação de conversas sem o consentimento do interlocutor é um recurso admissível em casos muito excepcionais. A publicação da gravação dependerá sempre da autorização da Direcção, ouvido o Conselho de Redacção, e só se fará para salvaguarda do bom-nome do jornalista e com menção obrigatória do não-consentimento do interlocutor."
Uma gravação feita sem conhecimento do interlocutor é uma violação da Lei e, nesse sentido, o PÚBLICO entendeu que esta regra dúbia devia desaparecer de todo. Gravando uma conversa de uma forma ilegal, ainda que para se proteger de eventuais processos judiciais, o jornalista estava a partir do princípio de que o que escreve iria ser contestado e, então, por que não gravar todas as conversas e não só algumas? A porta estava aberta para isso.
O novo "Livro de Estilo" vem acabar com todas as dúvidas neste campo: "Em caso algum poderão os jornalistas do PÚBLICO gravar conversas sem a autorização expressa do interlocutor."
António Granado
sexta-feira, março 04, 2005
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