quarta-feira, maio 12, 2004

O Maior Laboratório de Portugal

in Público
Por LUÍS MIGUEL VIANA
Quarta-feira, 12 de Maio de 2004

Os longos pisos cheios de gente a trabalhar, tão propícios ao ruído e à agitação, na Siemens Portugal não parecem produzir qualquer efeito. Há mais de 700 engenheiros, a esmagadora maioria portugueses, a dedicarem-se quase em silêncio à investigação e ao desenvolvimento (I&D) de tecnologias de informação e comunicações. É um centro de inovação de nível mundial. Compete com vantagem com o que de melhor se faz no Japão e nos Estados Unidos da América, produzindo "software" e sistemas para os mais exigentes operadores de telecomunicações. Funciona em Alfragide, nos arredores de Lisboa.

Têm dezenas de projectos em marcha. Todos os problemas que surgem aos operadores europeus equipados com Siemens (casos da PT, da Deutsch Telecom ou da France Telecom) são resolvidos em Alfragide, o que sempre dá que fazer. E há projectos especiais, como o que estão neste momento a desenvolver para um cliente americano: um equipamento óptico nuclear que aumentará dramaticamente a capacidade da rede. Na mesma fibra óptica, em vez de se utilizar um só canal, poderão ser utilizados uns 40, recorrendo a vários "tons de luz" ou, dito de outra maneira, a diferentes comprimentos de onda. É um trabalho que está a ser feito com "know-how" 100 por cento português, com um grau de exigência extraordinário, envolvendo os melhores quadros da empresa. Os tais que trabalham quase em silêncio.

Não se trata somente de um "centro de competências" na malha mundial da marca alemã - o que já não seria pouco. Com a vinda de um dos maiores laboratórios ópticos do mundo (1300 m2), inaugurado em 2003 por Jorge Sampaio, e do novíssimo laboratório multimédia estreado numa cerimónia "íntima" dos quadros da empresa à meia-noite do último 30 de Abril, a Siemens Portugal passou a ser um "centro de I&D" onde se realiza o trabalho puro de concepção, de "design" e de desenvolvimento dos produtos que conquistarão o mercado dentro de três, quatro ou cinco anos.

"Para as pessoas perceberem o que distingue um centro de competências de um centro de I&D, eu gosto de dar o exemplo da indústria farmacêutica", explica João Picoito, o CEO do Grupo Operacional de Informação e Comunicação da Siemens Portugal (ver entrevista). "É a diferença entre ter um laboratório em Portugal que replica as moléculas que outros laboratórios criam e ter um laboratório com capacidade para criar novas moléculas. É outra dimensão."

Da "Visão 2005" à "Visão 2015"

Esta dimensão começou há nove anos, quando a Siemens (juntamente com outras empresas) estava a concluir a digitalização da rede telefónica portuguesa. O negócio aproximava-se do fim e era necessário redefinir as funções e os objectivos da empresa em Portugal. Em 1995, Melo Ribeiro, presidente da empresa, quis que fosse feita uma visão a dez anos das telecomunicações em Portugal e, mais genericamente, dos temas de informação e comunicações por todo o mundo. Reuniu um grupo grande, composto por quase todos os directores de telecomunicações, e escolheu para o coordenar um quadro com uma "patente" inferior à dos outros: João Picoito, então com 30 anos, um mero chefe de divisão responsável pelo "marketing" técnico. Foi ele que redigiu o texto que viria a ser baptizado como "Visão 2005", o qual, para além de perspectivar a forma como o mercado iria evoluir, propunha à Siemens uma nova forma de se posicionar no mercado das telecomunicações.

Em Portugal, a proposta passava por substituir uma estrutura centrada na produção e na comercialização dos produtos por um centro de competências que desenvolvesse as tecnologias ligadas à fibra óptica e à banda larga. É óbvio que apostar em I&D em Portugal não era muito habitual em 1995, o país não era propriamente conhecido por ser "high-tech" ou por estar na vanguarda das telecomunicações. "Sentíamo-nos confortáveis, no entanto, em termos técnicos e de competências", recorda Leonor Almeida, actual responsável pela I&D das tecnologias móveis e multimédia. "E na casa-mãe na Alemanha tinham boa impressão a nosso respeito."

Em 1997, dá-se a instalação de um centro internacional de formação para redes fixas e móveis e para a tecnologia IP (Internet Protocol) da Juniper. Em 1999, já trabalhavam em Alfragide 200 engenheiros dedicados à investigação. Em 2002 cria-se um centro de suporte remoto para prestar serviço 24 horas por dia a operadores de 45 países da Europa e Norte de África, instalando-se também um centro da Juniper que fornecerá suporte a nível mundial.

"Não houve uma decisão administrativa da Siemens mundial para abrir em Portugal um centro de I&D", adverte Hélder Castro, que dirige hoje a investigação de mais de 500 engenheiros nas tecnologias da rede fixa. "O que houve foi uma batalha diária, feita passo a passo, conquistando com mérito vitórias atrás de vitórias." O ritmo de investimento da Siemens em pessoas e equipamentos foi desde 1995 muito forte, mas em 2003 deu-se uma viragem: com a decisão de avançar para os centros de inovação na área óptica e multimédia, a admissão de colaboradores cresceu exponencialmente. E a ligação às universidades também: a Siemens Portugal financia neste momento, directamente e cedendo os seus laboratórios, todos os projectos de mestrado, doutoramento ou pós-doutoramento que considere interessantes (ver quadro).

E agora? "Agora quero consolidar estes dois centros de inovação: este modelo de desenvolvimento é válido pelo menos até 2010", afirma João Picoito. "Mas a Siemens vai fazer 100 anos em Portugal em 2005: gostava de apresentar nessa altura a nossa visão para os próximos dez anos, não só do nosso envolvimento a nível mundial, mas também do mercado português."

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