Um iPhone (criado por Steve Jobs) é imaginado, pensado, desenhado, concretizado pelas pessoas que compõem a Apple. Um ser humano (que pode, ou não, ter sido criado pela entidade a que dão o nome de Deus) é feito por outros seres humanos de uma forma espontânea e natural, não imaginada, projectada, desenhada ou concretizada conscientemente (a única concretização consciente é, eventualmente, o acto sexual que permite a criação de um corpo, espera-se, com vida).
Podemos reclamar com a Apple que o produto que eles fizeram tem defeito ou deixou de funcionar, não podemos pedir satisfações a ninguém (com um escritório ou oficina de reparação) que o nosso corpo deixou de funcionar. Os centros de medicina convencional não são bem oficinas de reparação da marca, da Apple, por exemplo, onde se não houver arranjo (e se estiver dentro da garantia) até nos dão um novo aparelho GRATUITO, com tudo o que tínhamos lá dentro intacto e novamente pronto a ser usado, tal como o tínhamos deixado quando parou de funcionar.
Os hospitais são sítios onde se faz o possível, se tenta remendar, colocar umas peças. Mas lá não podemos pedir satisfações: "então, o meu corpo deixou de funcionar, quero um corpo novo o meu dinheiro de volta" - até porque o nosso corpo não teve um custo, não houve nenhuma troca (exceptuando a de fluídos) que tenha permitido que ele tenha ficado na nossa posse.
Quer-me parecer que Deus (se o Senhor existe), tem muito a aprender com a Apple. E acho que Steve Jobs, se ainda fosse vivo e pudesse, pelo facto de estar vivo e ter as suas capacidades intactas, emitir opiniões, concordaria comigo. Claro que o sistema de nascimentos humanos, tal como existe hoje, também poderia ser repensado. É que iríamos deixar de caber todos na Terra muito depressa. Outra solução seria ocupar outros planetas - há muitos, desertos e com espaço a perder de vista! - e disseminar assim os humanos por sítios mais... desocupados.
De tempos em tempos, tal como a Apple, fazíamos upgrade - mantendo a nossa CONSCIÊNCIA e definições anteriores - para um modelo mais recente, com uns olhos que vêem mais ao longe, conseguem ver no escuro e até conseguem ver no interior da roupa das senhoras. Com capacidade de processamento mais evoluída, para podermos levar o lixo à rua, lavar a louça ou passear o cão em milésimos de segundo.
Esta noite vou SONHAR com um mundo assim. Depois conto como correu, ou então podem ver o filme, numa sala de cinema perto de vocês - se ainda forem vivos na altura.
Enfim. Fim.
sábado, julho 14, 2012
alive is optimus
olho para o meu corpo com cada vez maior admiração. não são os músculos que estão mais tonificados ou a beleza que cresce a cada dia que passa - bem pelo contrário, cresce a gordura (vidas sedentárias) e a juventude vai fugindo. é o meu corpo que me permite Ser. já funcionou melhor, é certo, mas permite respirar e agir, reagir, comunicar e experienciar.
quando era miúdo, agora já posso dizer, há umas décadas atrás, achava que aquele (sim, porque entretanto cresceu e mudou em certa medida) era o MEU corpo. havia um misto de sentimento de posse, por um lado, sentimento de descoberta, por outro. as primeiras feridas eram o fim do mundo. chegava a perguntar à minha mãe se ia morrer com aquele arranhão no joelho - na altura parecia-me uma pergunta perfeitamente lógica, ora, se estava a sair sangue, quem me garantia que essa perda não seria irreparável.
nada como o passar do tempo e a experiência repetida para deixar esses receios para trás e passarmos a ser arrogantes com o nosso corpo e a tomá-lo por adquirido.
nessa altura, quando era miúdo, quando fui para a Primária e conheci a minha primeira professora, a Dona Esperança - cujo corpo já deixou de ter vida, há uns anos (fui ao funeral dela) -, tinha a certeza que o corpo me pertencia e portanto podia fazer com ele o que bem me apetecesse. ia testando os limites, os saltos, a força, era um corpo em crescimento, pronto para ser testado e magoado sempre que os testes iam longe demais - a minha testa e joelhos que o digam.
hoje vejo o corpo de forma diferente. sim, podemos fazer com ele o que nos dá na gana, tatuagens, marcá-lo para a vida, cicatrizes de aventuras, acidentes e tristezas, cirurgia plástica. tudo é permitido, nada nos diz que ele não nos pertence. MAS o corpo que usamos não nos pertence. é um veículo que usamos para ter vida, para respirarmos, funcionarmos, comunicarmos, agirmos e reagirmos, mas não é nosso. não é nosso porque a partir do momento em que deixa de funcionar bem, começa a ter problemas e entramos em modo GAME OVER deixamos de o possuir. deixamos de ter vida.
tudo está concentrado no cérebro, sem cérebro, o coração pode continuar a bater mas a vida consciente já não mora ali - chamam-lhe a morte cerebral, mas é morte. o que é a morte? a piada é que é o contrário de estar vivo. mas é. não é piada. e é coisa tão divertida quanto séria. tão assustadora quanto inevitável - segundo sabemos - e insignificante. algo que acontece a todos só pode ser insignificante. no entanto é assustadoramente real e irreparável. não há volta atrás. não há segundas oportunidades, quando ficamos sem vida, ou voltamos dentro de uns instantes breves, ou vamos manter-nos assim para sempre. e o sempre - esse estado permanente - tem muita força, tanta quanto "o que tem de ser tem muita força".
o corpo é descartável. como a máquina fotográfica que se usava há uns anos atrás. é usar e deitar fora - curiosamente nunca é o morto que se vê livre do seu próprio corpo. e convém mesmo deitar fora porque os corpos "infestam o bar". sem vida? pode-se usar partes para ajudar outros, mas a vida que havia ali foi-se. acabou. o definitivo é muito forte e, neste caso, cria uma aura de mistério para nós, seres humanos.
tenho de utilizar este meu corpo para fazer umas coisas, porque depois deixo de existir. posso ir amealhando coisas, muitas coisas, bens, carros, casas, riquezas, relógios, roupas, opiniões, preferências, crónicas, textos, livros, ideias, segredos, tristezas, alegrias. mas quando deixo de existir deixo tudo para trás, para outros, os vivos. e o que não deixo à mostra, o que pensei fazer mas nunca fiz, perde-se para a eternidade - o tal sempre, definitivo.
daí que o corpo é, de facto (com 'c'), um veículo, uma máquina orgânica que usamos, como usamos o carro para ir do ponto A (Algueirão) ao ponto B (Benfica, a localidade) ou a máquina fotográfica para tirar as fotografias que é possível tirar e depois deitamos fora. o que faz o corpo ser um veículo é esta coisa que se pode chamar CONSCIÊNCIA, ou inteligência, ou raciocínio, ou capacidade de comunicação e/ou compreensão. há quem lhe chama alma e acredite com todo o seu ser que existe um HADES (um mundo metafísico) para além do corpo (a funcionar), para além da vida. há quem acredite que nesse hades há o hades bom (céu/paraíso) e o hades para os maus (inferno). acreditar é uma daquelas coisas que fazemos quando estamos vivos. e como pessoa viva sou daqueles que espera para ver. acredito. acredito que não sei se acredito ou se não acredito num HADES.
é um tema tão antigo quanto a humanidade. essa humanidade que percebeu: "porra, quando o gajo morre não vive mais depois disso, pelo menos neste corpo que achamos que é nosso". desde essa primeira constatação que se criaram crenças no sobrenatural, no divino, no 'não presente' perante os nossos sentidos. há relatos suficientes para haver quem acredite em todo o tipo de possibilidades. que se saiba, cientificamente, não há relatos/elementos/provas suficientes para provar para lá da mínima dúvida a existência desse HADES. estamos certos que existimos porque os nossos sentidos, os que o nosso belo corpo providencia, nos mostram que existimos.
através do tacto (com 'c'), visão, olfacto (com 'c'), cheiro... experienciamos o planeta Terra e muito do que vem nele (incluindo o elementos, os vegetais e animais - como os humanos) e ainda o Sol, Lua e estrelas longínquas que o iluminam e influenciam (o planeta e a nós, por acréscimo).
há dias em que ficamos na dúvida se não será tudo um sonho, como um filme de David Fincher ou David Lynch, mas vamos confiando nos sentidos do 'velho' e durante alguns anos honesto corpo.
os robots nunca ficam fragilizados com o seu fim, pelo menos nos filmes. vão desligar a ficha? acabou? faz tudo parte do processo. pode-se procurar ficar mais tempo em actividade, mas se não houver outra hipótese, resta acolher a inevitabilidade tal como ela é, inevitável.
posto isto, resta-me terminar com uma confissão muito humana. a morte IRRITA-ME. irrita-me porque não a compreendo. entendo que tudo tem um fim. entendo que o corpo não dura para sempre - até porque até ao momento (peço desculpa pelos dois 'até') a ciência/medicina ainda não encontrou forma credível de transportar um cérebro em funcionamento para um outro corpo (mecânico) que dure muito mais do que os 70-115 anos limite para todos os humanos (o limite, que se saiba, foi atingido por Jeanne-Louise Calment que cumpriu 122 anos de vida e perdeu-a, a vida, em 1997).
o que me irrita na morte é saber que a minha consciência e experiência - em conjunto - vai, de facto, deixar de existir, pelo menos considerando que o cérebro não tem nada de metafísico e não irá 'subir' ao HADES. lembro-me quando o meu bisavô Abílio morreu, de ter esperado por um sinal dele. um vislumbre de que havia existência além da morte. pedi-lhe. quis acreditar. e tive respostas - barulhos e coisas que caíram. infelizmente (ou felizmente, não sei) nada que me fizesse acreditar que eram sinais dele. o peculiar é que há muitos mais mortos do que vivos. ou se calhar não. só há vivos. porque quando se morre, pelo menos o corpo passa a ser "ashes to ashes, dust to dust" - parte do vasto espólio do que não vive. boa noite e, mantenham-se vivos.
quando era miúdo, agora já posso dizer, há umas décadas atrás, achava que aquele (sim, porque entretanto cresceu e mudou em certa medida) era o MEU corpo. havia um misto de sentimento de posse, por um lado, sentimento de descoberta, por outro. as primeiras feridas eram o fim do mundo. chegava a perguntar à minha mãe se ia morrer com aquele arranhão no joelho - na altura parecia-me uma pergunta perfeitamente lógica, ora, se estava a sair sangue, quem me garantia que essa perda não seria irreparável.
nada como o passar do tempo e a experiência repetida para deixar esses receios para trás e passarmos a ser arrogantes com o nosso corpo e a tomá-lo por adquirido.
nessa altura, quando era miúdo, quando fui para a Primária e conheci a minha primeira professora, a Dona Esperança - cujo corpo já deixou de ter vida, há uns anos (fui ao funeral dela) -, tinha a certeza que o corpo me pertencia e portanto podia fazer com ele o que bem me apetecesse. ia testando os limites, os saltos, a força, era um corpo em crescimento, pronto para ser testado e magoado sempre que os testes iam longe demais - a minha testa e joelhos que o digam.
hoje vejo o corpo de forma diferente. sim, podemos fazer com ele o que nos dá na gana, tatuagens, marcá-lo para a vida, cicatrizes de aventuras, acidentes e tristezas, cirurgia plástica. tudo é permitido, nada nos diz que ele não nos pertence. MAS o corpo que usamos não nos pertence. é um veículo que usamos para ter vida, para respirarmos, funcionarmos, comunicarmos, agirmos e reagirmos, mas não é nosso. não é nosso porque a partir do momento em que deixa de funcionar bem, começa a ter problemas e entramos em modo GAME OVER deixamos de o possuir. deixamos de ter vida.
tudo está concentrado no cérebro, sem cérebro, o coração pode continuar a bater mas a vida consciente já não mora ali - chamam-lhe a morte cerebral, mas é morte. o que é a morte? a piada é que é o contrário de estar vivo. mas é. não é piada. e é coisa tão divertida quanto séria. tão assustadora quanto inevitável - segundo sabemos - e insignificante. algo que acontece a todos só pode ser insignificante. no entanto é assustadoramente real e irreparável. não há volta atrás. não há segundas oportunidades, quando ficamos sem vida, ou voltamos dentro de uns instantes breves, ou vamos manter-nos assim para sempre. e o sempre - esse estado permanente - tem muita força, tanta quanto "o que tem de ser tem muita força".
o corpo é descartável. como a máquina fotográfica que se usava há uns anos atrás. é usar e deitar fora - curiosamente nunca é o morto que se vê livre do seu próprio corpo. e convém mesmo deitar fora porque os corpos "infestam o bar". sem vida? pode-se usar partes para ajudar outros, mas a vida que havia ali foi-se. acabou. o definitivo é muito forte e, neste caso, cria uma aura de mistério para nós, seres humanos.
tenho de utilizar este meu corpo para fazer umas coisas, porque depois deixo de existir. posso ir amealhando coisas, muitas coisas, bens, carros, casas, riquezas, relógios, roupas, opiniões, preferências, crónicas, textos, livros, ideias, segredos, tristezas, alegrias. mas quando deixo de existir deixo tudo para trás, para outros, os vivos. e o que não deixo à mostra, o que pensei fazer mas nunca fiz, perde-se para a eternidade - o tal sempre, definitivo.
daí que o corpo é, de facto (com 'c'), um veículo, uma máquina orgânica que usamos, como usamos o carro para ir do ponto A (Algueirão) ao ponto B (Benfica, a localidade) ou a máquina fotográfica para tirar as fotografias que é possível tirar e depois deitamos fora. o que faz o corpo ser um veículo é esta coisa que se pode chamar CONSCIÊNCIA, ou inteligência, ou raciocínio, ou capacidade de comunicação e/ou compreensão. há quem lhe chama alma e acredite com todo o seu ser que existe um HADES (um mundo metafísico) para além do corpo (a funcionar), para além da vida. há quem acredite que nesse hades há o hades bom (céu/paraíso) e o hades para os maus (inferno). acreditar é uma daquelas coisas que fazemos quando estamos vivos. e como pessoa viva sou daqueles que espera para ver. acredito. acredito que não sei se acredito ou se não acredito num HADES.
é um tema tão antigo quanto a humanidade. essa humanidade que percebeu: "porra, quando o gajo morre não vive mais depois disso, pelo menos neste corpo que achamos que é nosso". desde essa primeira constatação que se criaram crenças no sobrenatural, no divino, no 'não presente' perante os nossos sentidos. há relatos suficientes para haver quem acredite em todo o tipo de possibilidades. que se saiba, cientificamente, não há relatos/elementos/provas suficientes para provar para lá da mínima dúvida a existência desse HADES. estamos certos que existimos porque os nossos sentidos, os que o nosso belo corpo providencia, nos mostram que existimos.
através do tacto (com 'c'), visão, olfacto (com 'c'), cheiro... experienciamos o planeta Terra e muito do que vem nele (incluindo o elementos, os vegetais e animais - como os humanos) e ainda o Sol, Lua e estrelas longínquas que o iluminam e influenciam (o planeta e a nós, por acréscimo).
há dias em que ficamos na dúvida se não será tudo um sonho, como um filme de David Fincher ou David Lynch, mas vamos confiando nos sentidos do 'velho' e durante alguns anos honesto corpo.
os robots nunca ficam fragilizados com o seu fim, pelo menos nos filmes. vão desligar a ficha? acabou? faz tudo parte do processo. pode-se procurar ficar mais tempo em actividade, mas se não houver outra hipótese, resta acolher a inevitabilidade tal como ela é, inevitável.
posto isto, resta-me terminar com uma confissão muito humana. a morte IRRITA-ME. irrita-me porque não a compreendo. entendo que tudo tem um fim. entendo que o corpo não dura para sempre - até porque até ao momento (peço desculpa pelos dois 'até') a ciência/medicina ainda não encontrou forma credível de transportar um cérebro em funcionamento para um outro corpo (mecânico) que dure muito mais do que os 70-115 anos limite para todos os humanos (o limite, que se saiba, foi atingido por Jeanne-Louise Calment que cumpriu 122 anos de vida e perdeu-a, a vida, em 1997).
o que me irrita na morte é saber que a minha consciência e experiência - em conjunto - vai, de facto, deixar de existir, pelo menos considerando que o cérebro não tem nada de metafísico e não irá 'subir' ao HADES. lembro-me quando o meu bisavô Abílio morreu, de ter esperado por um sinal dele. um vislumbre de que havia existência além da morte. pedi-lhe. quis acreditar. e tive respostas - barulhos e coisas que caíram. infelizmente (ou felizmente, não sei) nada que me fizesse acreditar que eram sinais dele. o peculiar é que há muitos mais mortos do que vivos. ou se calhar não. só há vivos. porque quando se morre, pelo menos o corpo passa a ser "ashes to ashes, dust to dust" - parte do vasto espólio do que não vive. boa noite e, mantenham-se vivos.
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divagações
os cães ladram e a caravana passa
Não existem crónicas nos jornais a pensar sobre a vida, o que importa, o que nos move e deve mover, o que nos motiva e deve motivar. Os jornais/telejornais são cada vez mais palcos de notícias espectáculo sobre ou temas sumarentos, ou vinganças mesquinhas e onde o rigor e os princípios base do jornalismo à muito deixaram o edifício destas redacções cada vez mais pequenas, longínquas (da acção, da realidade, da reportagem) e, diga-se, tristes. As notícias/jornalistas, como os cronistas, estão reféns da sua profissão. Têm algo a perder, nem que seja a fama ou as palmadinhas nas costas (ou os Likes), por isso deixam-se levar pelo espectáculo, pelos fait divers e pelos clichés que viram moda e de que toda a gente quer ouvir falar, quer ouvir gozar. Os cronistas/jornalistas que discordam, já desistiram e refugiam-se falando nos temas da forma mais ligeira que conseguem.
O palco pode ser cruel, portanto vamos todos ser cordeiros e seguir as modas para não perdermos o pouco que achamos que temos. No fim de contas, os dias passam e os cordeiros disfarçados de cães vão seguindo a caravana.
O palco pode ser cruel, portanto vamos todos ser cordeiros e seguir as modas para não perdermos o pouco que achamos que temos. No fim de contas, os dias passam e os cordeiros disfarçados de cães vão seguindo a caravana.
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