sexta-feira, outubro 29, 1999
Tim Booth | A busca pela essência, até ao "osso"
Tim Booth adora desafios e detesta monotonia. Três anos após o fim da banda inglesa James, onde foi o vocalista ao longo de duas décadas, Tim Booth aparece com o seu álbum a solo intitulado Bone, onde não renega a herança dos James, isto depois de ter experimentado de tudo um pouco ao longo destes anos. Foi actor, argumentista, DJ e escreveu músicas para outras bandas, mas o destino levou-o novamente à interpretação das suas canções. Portugal é um dos destinos predilectos e regressa agora pela segunda vez este ano – esteve no último festival Sudoeste – para dois concertos, um na próxima terça-feira na Aula Magna, em Lisboa e outro no Porto.
João Tomé
Manteve-se ocupado ao longo destes três anos desde o fim dos James, como actor, argumentista e até como DJ. Como foram essas experiências?
São todas coisas que eu adoro fazer e são desafios. Eu gosto de alternar entre as coisas que gosto de fazer. Se me fartar de estar a fazer um papel no teatro, então faço um guião, ou se estou a fazer música e me farto então muda para outras coisas. Adoro esta diversidade! Acho que isto está relacionado com o facto de trabalhar com o Bryan Eno há demasiado tempo, ele vive uma vida incrível, todos os dias aparecem coisas diferentes. Às vezes é artístico, outras vezes é a música e vai para todo o lado no mundo e faz coisas fantásticas e exóticas e demonstra que não temos de estar presos apenas a um dos nossos gostos, mesmo que adoremos fazê-la, se fizermos durante tempo demais podemos secar nela. É fascinante fazer outras coisas e alternar, não nos fartamos e tudo se torna numa alegria.
Pensa em repetir estas experiências? Sim! Tenho alguns papéis porreiros já previstos para o ano passado em teatro na Inglaterra. E argumento tenho um que vou fazer que deve ir ser utilizado na televisão, que tenho de terminar nas próximas semanas.
Disse recentemente que após os James nunca pensou em seguir carreira a solo, queria apenas escrever canções para os outros. Porquê este regresso, mudou de ideias?
Foi mais por acaso. É que conheci o Lee Baker, comecei a adorar trabalhar com ele e uma coisa levou à outra, não foi pensada antes, a maioria das coisas que faço não costumam estar previstas começo as coisas e se tiver boa sorte andamos para a frente e trabalhamos em alguma coisa interessante. Foi isso que se sucedeu com este album, acabei por cantá-lo porque pareceu a coisa mais óbvia a fazer depois de algum tempo a trabalhar com o Lee.
Sentiu a necessidade quando estava a trabalhar com o Lee de cantar as suas próprias canções? Sim! Eu estava a cantar e a trabalhar nas letras e elas eram tão significantes para mim, e levei-as ao meu editor para as sugerir para serem cantadas por outras pessoas, e ele dizia-me: “Essas letras são tão particulares, não podes fazê-las mais gerais? Se queres que outras pessoas as cantem, tens de escrever mais na generalidade sobre o amor, ou a perda”. Mas as minhas letras são tão estranhas, que era muito difícil arranjar pessoas que fossem certas para as cantar. Alguns cantores até se propuseram em cantar algumas das canções, mas no fim acabei por decidir em cantá-las eu. Significavam tanto que parecia que não as queria deixar ir.
O seu registo é muito próximo dos James, acha que algumas pessoas esperavam um corte mais radical em relação ao passado?
Não sei. Obviamente é a minha voz, a minha melodia, as minhas letras, que era o mesmo com os James e não consigo fugir muito disso. Mas a música é muito diferente, eu penso que é, e o homem que fez a música nem conhecia muito os James, por isso não estava a tentar aproximar-se dos James nem nada, ele ficou longe da música dos James, mas vai haver sempre semelhanças porque eu sou o cantor.
Tem a mesma energia que tinha quando estava nos James? Sente-se mais maduro desde essa altura?
Espero que seja um pouco diferente. Algumas destas canções são bastante imaturas. Algumas são sobre a luxúria, um pouco infantis, mas ainda rockamos, é uma mistura de assuntos.
O que sente que mudou mais na sua música relativamente aos James?É mais na base do baixo e da bateria, o Lee Baker tocou todos os instrumentos neste album, fez toda a bateria, o baixo, a guitarra. Ele é mais um baterista e baixista, interessa-se bastante pela música funk e existe muito mais de “groove” nas canções do que haveria nos James. Essa é a diferença fundamental.
Porque é que o nome deste album é Bone? Por algum motivo em especial?É uma palavra agradável e que fica no ouvido (“catchy”). Tem um certo eufemismo sexual e significa a essência das coisas, quando ficam expostas até ao osso ficamos a saber como são as coisas. Tem muitos significados importantes para mim.
Se pudesse definir o seu album em quatro curtas frases como o definiria? Porquê? Quais os assuntos que aborda mais neste album. Porquê?
Esse é o seu trabalho não o meu. Eu sou o cantor e não gosto muito de falar sobre a música, é como uma forma de lixar a mente para mim. Faço a música muito inocentemente e simplesmente fico inspirado, excitado e apaixonado com o que estou a fazer e as letras são coisas que me estão a chatiar, ou a fascinar, quando estou a escrever e depois seguem o seu curso e ficam com vida própria e tornam-se personagens diferentes e eu deixo-as fazer isso e depois quando me perguntam perguntas de crítico... o crítico não teve nenhum papel na elaboração das músicas e é muito difícil afastar-me e pensar nas músicas, não gosto disso, a parte do crítico para mim não é muito produtiva (risos) e não me ajuda muito. Se formos a ver a tua opinião tem tanto valor como a minha, só que melhor porque vais ter mais distância.
Os James fizeram um concerto de despedida no Coliseu de Lisboa. Portugal é um destino obrigatório em concertos? O que pensa do público português?
Já vou a Portugal há uns 15 anos talvez e até mais novo desde quando era um teenager. É um país tão aberto e sempre fomos muito apreciados aí, sempre nos incentivaram a continuar em tantos sentidos. O público português perceberam o que eram os James muito rapidamente, mais rápido do que qualquer outro país, excepto a Inglaterra e isso é muito importante para mim. Não temos muito dinheiro, por isso, quando vamos a um sítio temos de saber se nos querem mesmo e Portugal é daqueles países que luto desde o início quando planeamos os concertos. Digo sempre que temos de tocar em Portugal.
A canção Down to the Sea é de alguma insatisfação relativamente à sociedade actual, porquê?
Penso que sim. Está relacionado com a americanização da cultura actual, que está a ficar cada vez mais forte. Eu até gosto muito da América, mas não gosto da sua crueza e crueldade da cultura que nos chega até a este lado, não é o melhor da américa que nos chega até aqui e essa canção é definitivamente numa postura chatiada, a procurar uma limpeza, um qualquer baptismo desta porcaria que se passa. Há muitas coisas nessa canção: “Everyones a victim, noone is to blame”, é porque ninguém quer-se responsabilizar com o que se está a passar na nossa cultura.
Ir ao fundo do mar [Down to the Sea], o que é isso? É alguém cometer suícidio? Ou é um renascer? Eu acho que é mais um renascer, uma limpeza. É uma música de descontentamento e de mostrar que a maior disto é tretas.
Mas há muitos lados positivos na cultura americana. Apanhamos o melhor e o pior da televisão americana. Os Sopranos, West Wingm são séries brilhantes, cultura ao mais alto nível, mas também temos a porcaria, como a Coca Cola, o McDonalds. Muita coisa que não presta chega cá e é fascinante. Há alguns dias que aceito bem como as coisas estão a ir neste aspecto, noutros como aquele em que escrevi essa canção que estou lixado com isso.
Como classificaria a indústria musical actual?É uma confusão. É o mesmo problema. Ontem morreu um DJ em Inglaterra que se chama John Peel. John Peel, tinha mais impacto na música neste país do que qualquer banda nos últimos 30 anos. Ele foi brilhante, achava sempre as músicas novas que não eram tocadas e tocava-as até serem tocadas por toda a gente, até que ia procurar mais coisas novas. Ele morreu ontem e ninguém vai conseguir preencher esse lugar neste país. Foi uma grande perda e sinto que estamos em grandes apuros em termos de música nestes países. Agora há os downloads, as editoras tomam cada vez menos riscos. Vão buscar menos pessoas novas e procuram música na América para terem mais sucesso. A maior parte da música é feita para fazer as pessoas famosas ou ricas, não para exprimir as suas almas, ou os seus espirítos, ou os seus corações, ou encontrar respostas para as suas vidas e para mim estas últimas razões são aquelas que levam as pessoas a fazer arte com qualidade. Não apenas porque querem ser famosos e fazer muito dinheiro.
Trabalho publicado no jornal Destak, edição 144
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