sexta-feira, janeiro 26, 1990

terry jones, a última parte


Terry Jones no adeus a Portugal, dois meses depois
A primeira vez que conheci Terry Jones coloquei um conhecido humorista/guionista português (Ricardo Araújo Pereira), grande fã de Jones e dos Python, a entrevistá-lo e levei comigo cameraman e fotógrafo – era uma ideia minha mas para o jornal. Também lhe fiz algumas perguntas, antes da entrevista do RAP e depois.
A segunda e provavelmente última vez que estive com Terry Jones levei-me a mim - passo o pleonasmo -, sem máquinas fotográficas nem nada do género, nenhuma pergunta pensada e apenas o desejo de não perguntar quase nada dos Python (já tinha sido explorado no primeiro rendez-vouz). Depois de ler e ver tantas entrevistas e textos (incluindo do Nuno Markl) sobre o passado, queria saber essencialmente duas coisas: como correu a experiência de dois meses em Portugal e projectos para o futuro. Os 10 minutos previstos não davam para muito mais, acabaram por ser mais minutos mas ficaram muitas dúvidas por esclarecer... esqueci-me com algum do nervosismo - devia ter apontado.

Quando entrei na sala principal do São Luiz, onde falei com ele (nas cadeiras vazias da plateia), pude reparar na boa relação que ele tinha com a Cecília, responsável da comunicação do teatro. Terry queria que enviassem para casa dele de Londres alguns tipos de cartazes do Evil Machines, a peça que veio cá estrear. Deu a morada, que já não se lembrava muito bem, num papel improvisado.
Encontrei um Terry Jones muito, muito cansado porque só tinha dormido duas horas naquela noite. “Tive de ir levar o meu cão ao aeroporto, que voltou para a minha casa de Londres e perdemos muito tempo por lá, deitei-me tarde e tive de levantar-me às 6h da manhã para ir buscar um amigo meu que chegou hoje de Londres para vir conhecer Lisboa”, disse um Jones com olheiras e fala lenta, que esfregava muito os olhos, de sono.
Fiz mais uma espécie de conversa com ele, com assuntos de que me ia lembrando. Só comecei a gravar já depois de uns minutos de conversa, pelo o que aparece em baixo não é o início da conversa.
Fui sempre perguntando-lhe se queria parar, porque ele estava mesmo cansado, mas como aquilo era mais uma conversa ele não se importou de continuar. Só parámos mesmo porque chegaram músicos que iam fazer ensaio e ele tinha de ir ter com eles. Terry também me fez algumas perguntas sobre Portugal, a nossa história, Lisboa e os costumes, mas antes de ter começado a gravar. Não incluo isso de seguida.


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16-01-2008


Costuma utilizar um pequeno caderno para ir escrevendo ideias ao longo do dia como este [mostro o meu pequeno caderno preto]?Sim, tenho um que comprei em Lisboa, algures, com que tenho preenchido com as minhas notas. E o que descobri com o teatro, porque nunca tinha feito anteriormente, foi quando os actores ensaiavam e eu escrevia notas, acabei por perceber que não as conseguia ler… as minhas próprias notas (risos) O que tive de fazer foi ir embora e na manhã seguinte, levantava-me mais cedo para escrever as notas com calma para poder dá-las ao elenco durante o dia e sem deixar de conseguir perceber o que tinha escrito.

Não usa o computador?
Uso, mas gosto de fazer notas em papel, é mais fácil.

Mas usa muito o computador, é onde trabalha por excelência?
Sim, é onde trabalho e escrevo.

Pergunto-lhe isto porque, por exemplo, Paul Auster nunca escreve em computador, adora a máquina de escrever e não muda de modo algum…
A sério? Curioso. Amante de máquinas de escrever, consigo perceber porquê, embora eu hoje me custe não escrever no computador, é uma ferramenta importante inclusive a Internet. Muito útil.

Sobre a sua estadia em Portugal. Foram dois meses. Dois meses agitados? Difíceis em termos de trabalho já que teve ensaios sem parar?
Não diria difíceis, foram bons. Bem, com o Evil Machines senti-me ligeiramente como quando fizemos o Life of Brian. Era uma espécie de montanha russa. O projecto tinha o seu próprio momentum. Parecia que estava constantemente a melhorar, a ser mais apurado. Pode parecer conversa de showbiz, mas o elenco tem sido tão fantástico. E eles “atiraram-se” verdadeiramente para esta missão. Na verdade acabámos por ter um período agradável, embora também tenha sido difícil.
Passou muitos dias com o elenco desde que chegou. Foi até à antestreia?Bem, tivemos alguns dias de folga no Natal e no Ano Novo, mas à parte desses oito dias, trabalhámos de forma sólida com o elenco, a ensaiar sem parar. Porque é um projecto novo muito difícil, porque a música não é simples e o elenco tem de aprender bem a música. Já para não falar que eu também me estava a estrear neste meio.

Os timings têm de ser certos…
Exacto, os timings têm de ser certos. Há essa parte, mas também a da interpretação e grande parte do elenco nunca tinha feito trabalho de actor, eles são cantores. Mas eles foram brilhantes, estiveram à altura e acho que se superaram.

Já viu a peça toda completa e com público…
Bem, a primeira vez que a vi verdadeiramente foi ontem à noite. A sessão de sábado [em que tinha estado presente Michael Palin], que era suposto ser a noite de estreia, e a performance de domingo tinha o lado técnico a estragar “a pintura”. Eles estavam a utilizar o sistema errado para projectar o vídeo na tela. E também remexi nas luzes da segunda parte do espectáculo na terça-feira, durante a tarde. Não estava feliz com ela. Agora resulta muito melhor, está muito mais suave.
Por isso, a noite passada foi a primeira vez em que pude dizer que aquele era o espectáculo que queríamos fazer.
Foi o seu primeiro projecto a encenar e nem tudo foi perfeito. Foi bom poder ter ficado mais alguns dias depois da estreia…Acabou mesmo por ser essencial… (risos) não devia dizer isto… mas não me apercebi que terça foi o último ensaio, pensava que tinha sido na sexta, mas afinal foi mesmo terça. Descobri que não estávamos todos a trabalhar para o mesmo deadline (risos).

Mas tudo terminou bem, não foi?
Sim. Sempre estive confortável com o elenco. Era mais uma questão de não termos todos os elementos certos que precisávamos no espectáculo de sábado e domingo.

Sobre o Teatro São Luiz. Já viu, acredito, teatros maiores e mais bonitos, mas o que acha deste?
Eu adoro este teatro, tem requinte e é um teatro lindo. O espaço do auditório e a relação com o palco é óptima. Já estive noutro em Lisboa, o Trindade, e esse também é muito bonito e tem uma sensação ainda mais intimista do que este, outro óptimo teatro.
Passou o Natal e o Ano Novo em Portugal, pelo que sei. Costuma passar o Natal noutros países, em trabalho ou lazer?Não, de todo. Na verdade foi uma das poucas vezes que o fiz.
Porquê?Porque não quis toda a confusão de voltar para trás para Londres.

Também estava mais frio por lá…
Sim, também é verdade. Mas tínhamos poucos dias, eram quatro e dois eram mais para viajar, preferi ficar cá.

E foi agradável?
Sim, foi maravilhoso porque ficámos no apartamento e evitámos qualquer socialização.

A família veio cá?
Não, só eu e a minha parceira.
Foi tão descontraído! (risos) Em Inglaterra, o jantar de Natal é no dia de Natal, no 25, por isso essa é a grande ocasião, mas aqui fomos apenas ao café em frente que estava aberto e tivemos o nosso Natal por lá.

Tinha árvore de Natal ou não quis…
Não tínhamos, apenas evitámos o Natal, basicamente. Ficar aqui foi uma técnica de o evitar, uma boa técnica, diga-se. Soube bem.
Em dois meses por cá não teve muito tempo sem ser a trabalhar, mas ainda teve oportunidade de passear, não? Só conheceu Lisboa?Sim, embora tivéssemos ido ao Estoril e Cascais. Andámos pela praia de Cascais até ao Estoril e foi lindo. Vocês têm grandes vantagens, como o tempo, o vosso tempo é fantástico. Mas não saí muito mais do que isso. Estive sempre por Lisboa e posso dizer que é uma bela cidade para se viver. Adoro o facto da pessoas viverem no centro. Em Londres é tudo tão caro que ninguém tem dinheiro para viver no centro, por isso é só escritórios e lojas.

E à noite fica tudo vazio…
Sem dúvida, especialmente a cidade central, a zona financeira.
Mas o óptimo é quando se tem uma cidade onde as pessoas também vivem, para além de trabalharem tem-se pequenas coisas como mercearias e talhos ainda dentro da cidade.

Já esteve noutros países por dois meses, como aqui? Talvez durante as rodagens dos filmes que realizou…
Sim, mas só nessa altura… quando fizemos Life of Brian. Também estivemos em Nova Iorque quando fizemos um espectáculo de palco dos Python o que durou talvez um mês. Este [em Portugal] talvez seja mesmo o período mais longo que fiquei num país que não o meu.

A fama dos Monty Python deu-lhe oportunidade de ser conhecido e apreciado em muitos países. Tem viajado muito? Tenho lido entrevistas suas em passagens pela Hungria bem como localidades menos centrais dos Estados Unidos, por exemplo.
Tenho ido, é certo, mas na verdade não sou um grande viajante. Não gosto particulamente de “saltitar”. A maior parte das viagens que faço agora é mais porque vou falar em universidades mais sobre História Medieval. Mas não gosto de voar… o que não dá muito jeito.

É diferente de Michael Palin, nesse sentido…
(risos) Sem dúvida! O Mike veio cá sábado para a estreia, mas acho que foi mais uma desculpa para se meter num avião… (risos)

Dos Python é com o Mike que tem os laços mais fortes, porque começaram juntos… Sim…


Ele é uma pessoa ocupada, mas veio cá de propósito para a estreia da peça… é um grande amigo?Sim e vir cá é um sinal de grande amizade. Mais um. Mas ele pareceu gostar, portanto valeu a pena a vinda. Preferia que ele tivesse visto a performance de terça-feira, em vez de sábado, porque esse foi “o” espectáculo (risos).

O Michael e Mr. Terry Jones têm trabalhado mais na Europa. Os outros Python estão mais “sediados” nos Estados Unidos, não é?
Sim, embora o Terry Gilliam também viva em Londres, apesar de ser americano. O Terry, eu e o Mike ficámos por Londres e o Eric e o John vivem na Coste Oeste norte-americana o que também demonstra os nossos percurso depois dos Python. São opções que se tomam. Percebo o fascínio pelos Estados Unidos, mas eu estou contente por ter ficado.
Vê-os menos a eles…Sim, vemos-os pouco. Embora eu, o Terry [Gilliam] e o Mike [Palin] jantámos com o John [Cleese] há poucos meses, quando ele veio à cidade. Quando ele vem cá liga-nos e combinamos qualquer coisa. É agradável, falamos do passado com quem o viveu connosco e do futuro, muito do presente e futuro.

Sobre os seus documentários na BBC. Fez os Medieval Times e os Barbarians, ambos históricos. Os Barbarians é um tema muito próximo dos britânicos, porque acabam por ser os antepassados… Era importante para si mostrar às pessoas que os Bárbaros não eram, como a história os fez parecer, verdadeiramente bárbaros?
Bem, os Bárbaros não eram particularmente antepassados dos britânicos apenas, também estiveram em Portugal.

Haviam muitos tipos de Bárbaros…
Exacto, porque basicamente era apenas uma palavra de abuso usada pelos romanos contra todos os que não eram romanos.
Para os denegrir.Exacto.

Mas para si era importante que estes documentários ajudassem a mudar os enganos da história… e sempre com uma pitada do seu humor...
Sim. É uma oportunidade de evidenciar coisas da história que achamos que estavam erradas. O humor nestes casos ajuda a desanuviar, a prender mais a pessoas.
Foi bom mostrar isso, porque a história que vem nos livros nem sempre é a história que se passou. Os povos mais evoluídos, como os romanos, sempre que conquistavam outro povo tratavam de destruir qualquer registo de cultura ou civilização desse povo, para poderem escrever a história conforme lhe fosse mais conveniente. Inventavam mesmo feitos seus e debilidades daqueles que eles chamavam bárbaros, a verdade é que o nome pegou até à modernidade…
E eu gosto bastante quando podemos mostrar um lado diferente de um assunto. Mas, na verdade, eu faço os documentários porque aprendo tanto com eles. Eu não sabia nada sobre o mundo clássico, antes de fazemos os Barbarians, por isso foi uma óptima curva de aprendizagem sobre esses tempos.
Mas não foi ideia sua fazer daquela forma os documentários?Bem, foi minha e do Alan Ereira. Estivemos a pensar em fazer os Barbarians durante algum tempo. As ideias foram surgindo dos dois.

Tem-se mantido bastante ocupado. Agora irá partir para Londres. O que se segue? Há novos projectos? Vai guardar alguma desta experiência em Portugal para fazer o Evil Machines noutros países, noutros teatros do mundo?
Bem, se algum nos convidar para fazer Evil Machines noutro país terei gosto em fazê-lo, embora pensasse duas vezes em ter novamente dois meses de trabalho. Repetir o mesmo processo acho que não repito. Mas adoraria fazer a peça em Londres ou Nova Iorque.
De qualquer forma tenho um filme animado que escrevi com Anna Söderström e estamos a finalizar os detalhes. Também vou realizá-lo e como nunca dirigi nada animado também será uma nova aventura. Também quero transformar os Evil Machines num guião para cinema, mas filme animado é baseado na história de Adão e Eva.

Tem feito filmes de tempos em tempos. Não sente obrigatoriedade de voltar?
Adoro fazer filmes. É uma experiência que aprecio muito. Mas o problema é que não me vejo propriamente como realizador, apenas dirigi filmes que escrevi ou estive envolvido na escrita, embora haja uma excepção com um filme que um amigo meu escreveu chamado Personal Services. Mas o problema é que não escrevi nada que resultasse. Preciso apenas de escrever um guião que resulte e que eu queira mesmo ver feito.

O mundo dos Python abriu-lhe portas para ter bons elencos e apoios. Isso tem-lhe permitido trabalhar em temas que lhe são caros, especialmente História…
Faço apenas coisas que me interessam e História é uma delas. Tenho tido uma sorte tremenda de poder fazer isso. Os Python tornaram tudo isto possível tanto por me dar visibilidade para que as pessoas me peçam para fazer programas de história e coisas do género, mas também me deu o conforto financeiro para que eu possa perseguir coisas que não dão necessariamente dinheiro. O mesmo acontece, por exemplo, com o Terry Gilliam.

O que é um privilégio nesta indústria…
É mesmo, é maravilhoso.
Embora seja um assunto que não o envolve directamente… A greve dos argumentistas, no Estados Unidos… sente que eles têm razão e estão a ser corajosos na sua “luta?Pelo que percebi da greve, tem a ver com os ganhos na Internet e em DVD. O que aconteceu foi que há cerca de 20 anos, a Writers Guild comprometeu-se sobre os direitos nesses domínios e assinou um acordo que eliminava quaisquer ganhos. Eles perceberam que cometeram um grande erro e desta vez estão determinados em não cometer o mesmo erro.
Apesar dos estúdios, como desculpa dizerem que há pouco dinheiro na Internet neste momento, todos sabem que é claro que isso irá acontecer. E significaria que os escritores ficariam sem quaisquer direitos aí. Estou com eles, absolutamente com eles.

É uma luta simpática, na perspectiva de serem escritores unidos a combaterem uma grande e poderosa indústria de interesses e com a sociedade a solidarizar-se como eles, tal como os actores?
Parece-me um bom exemplo de que a solidariedade pode fazer a diferença e que precisamos que nos apoiar uns aos outros. No caso deles parece estar a resultar a uma escala incrível. O que, de certa forma, é aquilo que trata exactamente o Evil Machines. Sobre pessoas que precisam umas das outras. Todos precisamos uns dos outros.

Uma última pergunta, porque Mr Terry está tão cansado…
É suposto fazer uma entrevista de duas horas no final desta tarde… nem quero pensar nisso e acho que não consigo, brrrk.
É para um documentário sobre si, não é?
Sim e sobre o making of do Evil Machines. Mas acho que não tenho energia em mim para isso.
Hoje é um dia cansativo…Acho que vou sugerir ao realizador para fazermos amanhã para ver se ele não se importa. Mas continuemos então, desculpe…
Tem dado dezenas de entrevistas em pouco tempo aqui por Portugal a quase todo o tipo de meios. Tem sido muito aberto nisso. Sempre com um grande sentido de abertura e honestidade nas respostas muitas vezes a perguntas exigentes…É publicidade, basicamente. Temos de encher o teatro. E sou assim, aberto e não consigo evitar não dizer o que penso.
Mas não se sente às vezes incomodado, com tantas entrevistas?Não penso muito nisso. Acabo por sentir que devo isso à organização, porque o Jorge Salavisa e o São Luiz tomaram um grande risco para colocar este espectáculo no ar e sinto que tudo o que possa fazer para os ajudar a terem mais pessoas no espectáculo faço. Sinto-me bem por poder ajudar. Sou mais um.
Os Python surgem sempre nestas entrevistas. Pode ser um pouco chato ser sempre o mesmo?Não me importo muito. É simplesmente algo de que falamos. Umas vezes melhor, outras pior. Não me importo de explicar os assuntos várias vezes, até porque é uma forma de recordar, de manter as memórias vivas e frescas. É sinal também de que as pessoas querem saber, o que é bom.
Esteve na SIC Notícias, na Liga das Nações onde dois homens o entrevistaram ao mesmo tempo... correu bem?Sim, embora acho que ninguém ouviu propriamente o que eu disse (risos). Vou a essas entrevistas porque dá jeito promover a peça, mas não me importo de responder mesmo quando são coisas mais exigentes como essa. As pessoas têm curiosidade sobre os Python mas dá mais gozo explicar a umas do que outras.
Os Python foram tempos incríveis e inesquecíveis. É bom falar deles até porque são eles que me pagam as contas e foi há pouco tempo que esse mediatismo tornou-se mais global.

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[Entretanto chegaram os músicos e parei de gravar. Ainda estive a falar mais um pouco com Terry Jones que me disse, por exemplo, que se lembrava bem da entrevista com o RAP porque “I simpatized with the lad and the whole notion behind his group”. Achei curioso ter chamado ao RAP, um rapaz humilde cuja altura lhe faz lembrar o John Cleese. Não disse se voltaria a Portugal tão cedo.]