terça-feira, fevereiro 18, 2014

istambul à superfície.

Istambul - significa ir para a cidade. Nome oficial da cidade hoje em dia. Começou a ser usado por algumas etnias turcas no século XV mas só se tornou o nome oficial da cidade nos anos 1920.
Constantinopla - nome que vem do imperador romano Constantino (o 'pai' do catolicismo, já que foi ele que criou a Igreja Católica, instituiu o cristianismo - com um misto de tradições pagãs antigas - e compilou os livros que quis para formar a bíblia, como a conhecemos hoje). Foi o nome mais usado a nível mundial para a cidade até aos anos 1920. A cidade foi mais de 1000 anos essencialmente cristã. A chegada dos otomanos no século XV mudou esse domínio.
Bizâncio - nome original da cidade fundada por colonos gregos em honra ao seu rei, Bizas até ao século IV, quando os romanos passaram a dominar a zona. Curiosamente o chamado 'Papa' dos gregos ortodoxos está em Istambul. Os turcos não gostam muito desse facto.

Em 50 anos a cidade passou de um milhão de habitantes para 15 milhões! Isso vê-se na construção algo caótica que alargou a cidade - também se vê construção recente a um estilo bem europeu.


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Istambul. 
Que cidade. Entramos num mundo de cheiros, neblina, confusão, mesquitas gigantescas e complexas a nível arquitectónico, sempre com os incríveis minaretes. Muita gente. Capital do islão ocidental. 
A parte histórica e turística é muito limpa, com jardins. Saindo da parte mais antiga vemos ruas mais estreitas, mais lixo, mais gente, curiosamente.
Na parte turística tudo está em inglês, ou quase,
Há uma diversidade étnica incrível, mesmo dentro dos habitantes locais. Árabes, curdos, turcos judeus, arménios, peregrinos árabes...
Na parte asiática raramente se vê lenços nas cabeças das mulheres. É peculiar olhar para a zona asiática como a parte que parece mais europeia. Há menos coisas em inglês. O mesmo estilo de mesquitas, mas há mais espaços verdes e raramente se vê turistas. Parece uma parte da cidade mais moderna do que a parte histórica e europeia e mais bem organizada a nível urbanístico. Até nisso dá mais ares de ser parte da Europa.
A vista a partir de Uskudar (a zona asiática em que estive perto do bairro arménio onde nasceu e cresceu Calouste Gulbenkian e onde eu gravei uma peça do TV Turbo a referir esse mesmo facto em Novembro de 2010) é incrível. Vemos bem perto a ilha/torre Maiden, a parte histórica na outra margem mais para a esquerda, o início do rio Bósforo e os bairros tradicionais mesmo em frente, do outro lado do rio. É impressionante, especialmente quando não se vislumbram nuvens no céu. Ainda assim há sempre uma certa neblina presente - talvez seja pela confusão ou pela poluição. Mas está sempre presente e parece ser fácil a cidade ficar cinzenta quando o tempo está nublado (a neblina ainda esconde mais a luz).
Ao fundo, ainda no mar de Mármara, junto à entrada do rio Bósforo que liga o Mármara com o gigante Mar Negro (partilhado com a Ucrânia, Rússia - incluindo Sochi - e companhia) avistam-se as dezenas de cargueiros e petroleiros que procuram ligar Mediterrâneo, Europa, Ásia. As águas da zona não dão ares de limpeza. Sujidade, poluição e uma população de gaivotas cheia de truques incríveis.

Mais para norte na cidade, passando o corno de ouro e seguindo caminho para Besiktas e a praça Taksim vemos ruas pintadas de grafitti, uns mais inspirados do que outros. Muitas lojas com preços baixos, ao contrário do ridiculamente caro (local ideal para enganar turistas), Grand Bazaar. Subindo passa-se pela bonita e imponente torre com vista para a cidade, Galata.
Subindo mais um pouco vemos uma rua enorme com comércio que acaba na famosa praça Taksim. Uma praça digna da cidade por ser gigante na dimensão, mas sem os habituais edifícios gigantescos ou históricos que costumamos ver em praças europeias. Tem um longo muro de um lado, um edifício estatal com uma gigantesca bandeira turca do outro, uns prédios banais e no meio uma mini rotunda (para a dimensão da praça) com estátuas otomanas (parece), entre militares a envergar bandeiras e civis.
Actualmente não se vê carros na praça, só uns táxis num dos lados. Junto à zona de muralhas um autocarro anti motim, protegido até ao tutano, pronto para intervir. Polícia também não falta. Pelo caminho vi duas mini manifestações e um contigente policial armado até aos dentes bem superior ao número de manifestantes. Com bandeiras amarelas, e uma faixa com mensagens de ordem, reparei ainda num cartaz com a cara de um governante turco pintado de diabo e pelo meio da pequena manif, estranhamente, uma bandeira do Irão.

Ataturk está em todas as notas, na maioria dos edifícios e a sua foto está por todo o lado e não só em locais estatais ou públicos.
É herói turco mas há minorias que não gostam do seu liberalismo, da sua tentativa de criar uma identidade turca que resume dentro do possível a variedade turca e lança laços de aproximação ao ocidente.
Incrível ver as centenas de pescadores, a todas as horas do dia e noite, na ponte que liga a cidade velha e os bairros tradicionais, a ponte Galata (por onde passa o Tram - uns eléctricos modernos que atravessam a parte história e turística), com uma vista incrível para algumas das maiores mesquitas da cidade, mas também com vista para o lado asiático e para ponte (à noite com luzes coloridas) do Bósforo ao fundo, que liga Europa e Ásia.
Esta ponte, a Galata, tem duas passagens, uma por cima, onde estão os pescadores e passam os carros e outra por baixo com uma variedade de restaurantes incrível repletos de luzes coloridas que se vêem à distância à noite.

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Variedade.

Os turcos são variados nas etnias, nos hábitos, na cultura. 
Fiquei surpreendido por ver, mesmo nas zonas turísticas, tão pouca simpatia em quem servia.
Fui bem atendido, por turcos muito simpáticos, mas achei a maioria a atender sisuda, com pouca vontade de ali estar e com muita vontade em mostrar o desagrado. Gostam também de falar alto, ralhar uns com os outros e despachar o serviço o mais depressa possível. Reparei também na condução no centro histórico, com direito a inversões de marcha onde dá jeito e marcha atrás em ruas de sentido único (mesmo dos shuttles dos hotéis) só para evitar dar uma volta ao quarteirão. Turquices.
É ainda fácil sermos abalroados na agitação desta cidade gigantesca. Se levarmos um encontrão dificilmente vamos ter pedido de desculpas.

O cheiro. A cidade emana muitos cheiros. No Bazar das Especiarias então é incrível ver as cores nas montras e sentir tantos cheiros variados - parece a Índia. Nas ruas pode cheirar apenas mal, a nada em particular, a especiarias mas na maior parte das vezes cheira a milho ou castanhas assadas (especialidade que se vende em bancas portáteis rua sim, rua sim). Mas há mais cheiros...

Achei que, grosso modo, os turcos (destaco os homens, não senti isso nas mulheres) cheiram mal - os que não cheiram, coitados, têm de levar com os muitos que cheiram. Desodorizante não deve ser requisito nacional. Nos transportes públicos é fácil sentir o cheiro a cavalo da sovaqueira. Chega a parecer já estar incorporado no ar, mesmo quando há poucas pessoas no Tram ou metro.
Outro hábito que vi - só uma vez, diga-se - e me chocou foi algo um pouco medieval ou mesmo da pré história: comer tudo com as mãos. Pessoalmente adoro comer pizza com as patas mas não aprecio apegar-me com essas mesmas patas a uma asinha de frango, ou a qualquer outra parte do frango, e ir fazer outras tarefas sem limpar a gordura. Vi muitos rapazes e homens crescidos, mesmo com smartphones topo de gama e bem vestidos, com os dedos escuros de sujidade.

No aeroporto de Ataturk, claro, um senhor engravatado, bem vestido, nos seus 60 e com um cajado de madeira trabalhada, senta-se ao meu lado. Traz um tabuleiro com arroz e feijão. Pousa o cajado em cima da mesa, claro, o tabuleiro e usa os dedos gordos, largos e com aparente sujidade entranhada para fazer juntar arroz e feijão em 'meínhos' e, tudo juntinho entre os dedos, mete a mistela na bocarra.
Com seis ou sete 'meínhos' despacha um prato de arroz e feijão em poucos minutos. Terminada a tarefa alimentar esfrega as mãos e os respectivos dedos cheios de gordura uns nos outros, como quem usa o método para limpeza (a casa de banho estava a 10 metros). Faz uns barulhos com a boca, de como quem limpa os dentes desta forma e, alcança do bolso do blazer um pequeno lenço de papel. Fico eu a pensar, " ok, ao menos limpa aos mãos ao lenço".
Fui enganado, já que com cuidado para não limpar as mãos ao pano - nós não queremos esse ultraje - assoa-se e tira umas quantas cagaitas (pelo menos é o termo utilizado no Algarve e toda a gente sabe que por lá são todos mouros, segundo o Pinto da Costa) do nariz. Volta a arrumar no bolso o pedaço de papel, já repleto de cagaitas e outro tipo de muco nasal, e pega no... telemóvel. Olhando para as mãos dá para ver as unhas grandes, reluzentes da gordura. As pontas do dedos são escuras, encardidas, ásperas, menos reluzentes do que as unhas, já muito deve ter passado por elas. Felizmente o telemóvel não é táctil, ainda. É um Nokia e as teclas, vá-se lá saber porque já não têm visíveis números ou letras, tais devem ser as camadas de langonha.
E os meus hábitos alimentares nunca mais foram os mesmos desde este dia, 16 de fevereiro de 2014. Na área de comida do aeroporto de Ataturk, junto ao restaurante Turkish for All.
O fim, pegajoso. 


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A ser escrito: a minha entrevista a um grupo de estudantes locais (eram uns sete) que precisaram de um tradutor e ficaram doidos quando falei nos portugueses dos clubes turcos; a mesquita azul e os hábitos religiosos; o passeio pela Ásia que mais parecia a Europa com direito e comício político local; entre outros.

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