terça-feira, março 25, 2014

o futebol e o resto

Há uma linha, por vezes muito ténue, que balança entre respondermos a alguém ou deixar passar (não responder) por menos razão que achemos que a pessoa tem. Quando ficamos surpreendidos com uma opinião sobre nós que achamos estar tão fora da realidade e que nos define de forma tão leviana, reduzida e degradante parece que ficamos sem argumentos (ou sem vontade de os expor).
Os assuntos que mais paixão motivam hoje em dia no Portugal de 2014 são futebol e política. Infelizmente são os dois demasiado parecidos no fervor com que as pessoas defendem as suas cores (e quando digo cores falo em clube/partidos e não propriamente em ideias ou ideais - na verdade a política devia reger-se por princípios diferentes dos da paixão por um clube de futebol).


No campo do (e não de) futebol a pessoa mais racional deixa-se levar pela emoção, pelo amor a um clube. Acontece todos os dias à maioria dos apaixonados pelo desporto-rei, com um clube do "coração". Nas velhinhas tascas, nos modernos cafés ou pastelarias da moda, nas redes sociais (onde o Twitter é rei neste domínio de conhecer opiniões vindas de todo o lado), o futebol discute-se ao pormenor e a polémica, os erros do árbitro, as opiniões diferentes sobre o mesmo lance, as faltas, os fait-divers (apertos de mão de treinadores, danças, matreirices, faltas de classe, etc) são um dos temas preferidos dos comentários e nas discussões, exactamente porque são os temas que motivam mais discórdia. É da génese humana, na verdade. Uns mais, outros menos. Mas se se envolvem no futebol vão lá parar.


Entrando agora num domínio mais pessoal, eu já tive aproximações ao desporto-rei diferentes. Sempre fui apaixonado pelo jogo mas houve alturas (breves) da minha vida, em fases diferentes, em que deixei de ter paciência para acompanhar as notícias, seguir as polémicas ou mesmo ver jogos de forma regular - concentrava-me mais nos clássicos. Já há muitos anos que sigo de forma frequente o futebol e as notícias em torno dele, até por motivos profissionais e sempre me considerei um tipo com preferências muito marcadas por jogadores (alguns não são fenómenos como Messi ou Ronaldo), treinadores e clubes (para além do clube de sempre) e que nunca se concentrou muito nas discussões ao pormenor das polémicas - aliás, fico sempre chateado comigo próprio quando perco tempo a discutir com malta "do contra" e que só sabe ser negativista e dizer mal sem parar (andam em círculos repetitivos no que dizem, mesmo).

Na verdade tal como vejo a política (eu gosto/detesto de pessoas, independentemente do partido), sempre consegui apreciar e torcer por jogadores, treinadores e clubes que não o meu. Torcer por clubes portugueses nas competições europeias, mesmo que não seja o clube do "coração" - sempre tive simpatia por uns ou antipatia por outros, para lá o clube do coração.
E sempre me vi como um apreciador do futebol, do talento puro de agir por instinto, mais rápido do que todos os outros, das tácticas onde um grupo de homens funciona como uma máquina oleada a funcionar quase como um só "corpo", da intensidade dentro do relvado, da imprevisibilidade do jogo, da forma como o futebol também nos ensina tanto - especialmente o inglês -, na forma como o campeão de hoje é o derrotado de amanhã, a sorte de hoje é o azar de amanhã, o campeão tem direito a aplausos do adversário como sinal de respeito e os maiores adversários dentro de campo podem trocar de camisola depois de se "picarem" como cães raivosos nos 90 minutos.

Até José Mourinho aparecer devo confessar que ligava pouco a conferências de imprensa. Como jornalista e apreciador de futebol, ver uma conferência de imprensa de Mourinho costuma ser aliciante porque há ali uma competição peculiar entre um jornalismo desportivo que precisa das manchetes, da frase "picante" muitas vezes adulterada face ao que foi dito (a biografia de Alex Ferguson fala bem disso) e uma "raposa" portuguesa a quem cabe o papel de responder às perguntas e que não tem problemas em parecer o mau da fita (quando acha que o tem de fazer).
Uma conferência com JM é ouvir alguém que sabe como poucos do jogo de futebol e pode-nos dar uma lição sobre o que se vai passar num jogo ou sobre o que se passou; ou então pode chamar os bois pelos nomes, reagir de forma divertida, perfeita, brusca ou exagerada (tem de tudo) a uma provocação; ou ainda deixar questões no ar com mensagens para o seu balneário ou para os adversários. Certo é que, normalmente, é interessante ouvir o que ele tem para dizer e a forma como não se deixa manipular pela matilha (mais em Espanha e menos em Inglaterra) que tem à frente e ainda consegue deixar os adversários em sentido. E os duelos de Mourinho com Guardiola (Ronaldo com Messi) dentro de campo (e também fora) nos tempos do Inter e do Real foram fenomenais e únicos. Vividos com uma intensidade incrível, apesar das palavras mais duras entre os dois (que até foram bem próximos anos antes - podiam ser amigos e confidentes) e das polémicas que até deram algum colorido.

A verdade é que vejo cada vez mais o futebol como um jogo de talentos incríveis (cuja forma e a motivação nem sempre é a mesma)
como Yaya Touré, Andrés Iniesta, David Silva, Matic, William Carvalho, Lisandro López (lembro-me de o ver na Luz, como fotógrafo, a escassos metros da acção e me sentir embasbacado pela rapidez com que ele criava perigo do nada, sem segundos), Luis Suárez, Rooney, Zlatan Ibrahimovic, Tony Kroos, Lucas, Hazard, Henrik Larsson, Zidade, Figo, Cruiff, Van Basten, Coluna, Eusébio, Figo, Cristiano Ronaldo, Messi, Maradona, Maldini, Varane, Ronaldinho, Ronaldo, Deco, Rui Costa, João Vieira Pinto, Jardel, Thern,
onde o treinador é o maestro que orquestra uma equipa de forma a ser uma máquina na forma como defende, ataca, responde às adversidades ou aos benefícios. É esse maestro que prepara aqueles putos que trocam a bola para todas as incidências do jogo, esperando que eles saibam incorporar os ensinamentos e possam explodir ao superar-se ou apenas evidenciar o talento incrível que alguns têm. Jogadores como Ibrahimovic, Cristiano Ronaldo ou Maradona têm, para além do talento, personalidades megalómanas incríveis que os fazem mudar uma equipa por si só.

O futebol é muitas coisas diferentes, para mim e para outros que tais.

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