domingo, fevereiro 19, 2006

pressão do jornalismo televisivo

[A pressão física da televisão. Uma crónica explícita e esclarecedora de Sofia Pinto Coelho, jornalista da SIC]

Desabafos de uma jornalista sombria - Opinião de Sofia Pinto Coelho in Expresso
Agora já não consigo disfarçar. Nem com uma boa maquilhagem. Se quiser continuar a trabalhar em televisão, tenho de cortar os papos nos olhos que - como se diz na gíria televisiva - fazem demasiado «ruído» na imagem. Acabei de chegar aos quarenta anos e, pelos vistos, o meu prazo de validade está a terminar.
Durante anos, relatei casos criminais, acompanhei a política de 5 Ministros da Justiça e passei, a pente fino, muito tribunais. Será que valeu a pena? Ter sido insultada por um juiz, durante uma cerimónia pública no Supremo Tribunal de Justiça dá algum pedigree, tal como passar uma noite sob custódia, em uma esquadra de polícia. Também me dizem que tenho cotação alta em alguns meios, sobretudo nas prisões. Deve ser verdade, a avaliar pela quantidade de cartas que os reclusos me enviam, quase sempre com pedidos desesperados. Recordo-me de um rapaz que fora operado e precisava de sacos próprios para as fezes mas, na prisão, só lhe arranjavam sacos de supermercado que tentava colar, na barriga, com fita cola. Outro nomeou-me fiel depositária do seu cadáver…que doou à Faculdade de Medicina do Porto. Mas a maioria o que pretende é uma revisão da sentença.
A imprensa surge então como a última oportunidade para quem se sente injustiçado. Sobretudo porque muitos tribunais de recurso, agora, dizem que as provas não podem ser reanalisadas. Foi o que sucedeu recentemente, num caso de abuso sexual. O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que a prova dependia essencialmente do «tom de voz, pausas entre respostas, ruborização, e movimentos corporais» da vítima, algo que não se pode ser fiscalizado através da mera audição das cassetes com a gravação do julgamento. Por isso, manteve a condenação do arguido.
Já no processo de Cristina Maltez, a antiga funcionária da Procuradoria-Geral da República condenada por burla, o tribunal de recurso mandou repetir tudo alegando que nas gravações havia «sobreposição de diálogo» … E noutro caso recente que acompanhei - um rapaz preso por roubar 1 telemóvel - o tribunal, apesar das evidências, chumbou o recurso, sem olhar sequer para as provas.
Pelos vistos, esta «jurisprudência da preguiça» demonstrou ser um sistema eficaz: Portugal é dos raros países onde praticamente não há registo de erros judiciais. Por outro lado, a imprensa é temida, mas paradoxalmente, não faz qualquer tipo de «mossa». A justiça, de facto, continua monolítica e sobranceira. Ainda vou ver se os «papos» podem ser considerados um «handicap» profissional que me garanta a reforma antecipada. Mas isto são apenas desabafos de uma jornalista num dia sombrio. Amanhã, passa.

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